divórcio ou casamento eterno?...

2007-10-11

Foi no milénio passado...

Faz hoje exactamente 45 anos que foi a solene abertura do Concílio Vaticano II. Para os mais novos nem sequer sabem o que isso foi, muito menos o que é. Para os mais velhos, e agora refiro-me aos cristãos, há sobretudo três correntes: a esmagadora maioria, que mal o conhece e vai aceitando as propostas vindas do alto, com a habitual indiferença; os curiais, que procuram recuperar o que pode retomar o espírito pré-conciliar; outros, que exigem um novo Concílio.
E parece que poucos, uma minoria em vias de extinção, se preocupam por, ao menos assumir e lutar pelas suas decisões no sentido do aggiornamento da Igreja, e sobretudo explorar as suas muitas intuições e linhas de força.

Partilho convosco o texto da crónica que mandei para o Correio de Coimbra:

O MELHOR É IGNORAR

Foi neste dia, 11 de Outubro, que há 45 anos começou o Concílio.
Este acontecimento ímpar na história moderna da Igreja já passou à história, com os inconvenientes que tal facto significa. Os que têm menos de 50 anos não acreditam, por exemplo, que a missa fosse “dita” em latim, que havia só um celebrante que estava de costas para os figurantes que apenas assistiam. Com um bocadinho de sorte pode ser que alguns destes jovens possam reviver esses tempos heróicos.
Agradecendo a Deus a graça do Concílio, quero recordá-lo, o que farei, dado a exiguidade do espaço de que disponho, através de duas citações.
Segundo o sínodo dos Bispos de 1985, “a eclesiologia da comunhão é a ideia central e fundamental nos documentos do Concílio”. De que se trata? O documento conciliar sobre a Igreja define assim a comunhão: o povo cristão “tem por cabeça Cristo “; “por condição a dignidade e liberdade dos filhos de Deus, em cujos corações habita o Espírito Santo” e não apenas na hierarquia; “por lei o novo mandamento do amor” e não a submissão, o medo ou a condenação; “por fim o Reino de Deus” (LG 9) e não o ter, nem o prazer nem o poder político, económico ou religioso. Efectivamente o Reino de Deus é “um reino eterno e universal: um reino de verdade e de vida, reino de santidade e graça, reino de justiça, de amor e de paz” (GS 39). João Paulo II insistia nesta exigência da comunhão num dos seus últimos documentos: “Fazer da Igreja a casa e a escola da comunhão: eis o grande desafio que nos espera no milénio que começa, se quisermos ser fiéis ao desígnio de Deus e corresponder às expectativas mais profundas do mundo” (NMI, 43). Trata-se de uma tarefa muito difícil, pois obriga a hierarquia a passar da situação de poder à de serviço e os leigos a trocar o comodismo pela participação. E todos sabemos como é difícil resistir às tentações do poder e do comodismo.
A outra frase que destacaria é tão curta que talvez poucos a conheçam em profundidade: “O cristão que descuida os seus deveres temporais falta aos seus deveres para com o próximo, falta aos seus deveres para com Deus e põe em risco a sua salvação eterna” (GS 43). Na aparente insignificância, esta é também uma frase revolucionária. Durante muitos séculos os cristãos foram formados na convicção de que fora da Igreja não há salvação. O Concílio Vaticano II proclama-a também, mas para aqueles que “não ignoram que a Igreja católica foi fundada por Deus por meio de Jesus Cristo” (LG 14b). Por outro lado, reconhece que fora da Igreja também há salvação, pois “fora da sua estrutura, encontram-se elementos de santificação e de verdade” (LG 8c) e as outras religiões, “embora se afastem em muitos pontos daqueles que a Igreja católica segue e propõe, todavia, reflectem não raramente um raio da verdade que ilumina todos os homens” (NAe 2b). Mas sobretudo, com a frase atrás citada – “o cristão, que falta às suas obrigações terrenas põe em perigo a sua salvação eterna” – o Concílio afirma solenemente que fora do mundo não há salvação. Daqui decorrem consequências radicais a muitos níveis, mas como não se lhe dá a devida atenção nos catecismos nem nas homilias, o povo de Deus vai-se defendendo com a ignorância na ilusão de ir “comprando o céu” com uma celebração semanal que por vezes tem mais de rotina do que verdadeiro exercício de louvor e de acção de graça (eu-caristia). E isto, apesar do aviso solene de Jesus no Sermão da Montanha: “Não é o que diz Senhor, Senhor, que entrará no reino dos céus, mas o que fizer a vontade de meu Pai” (Mt 7,21).
Posteriormente, no Sínodo dos Bispos de 1971 (tantos anos que já lá vão…) foi aprofundada esta ideia: “A acção pela justiça e a participação na transformação do mundo aparecem-nos claramente como uma dimensão constitutiva da pregação do Evangelho, que o mesmo é dizer, da missão da Igreja em prol da redenção e da libertação do género humano de todas as situações de opressão” (JM 6). O que dizem os catecismos, as homilias, os encontros de formação sobre isto? Quem conhece este documento sinodal? Certamente que é muito melhor para todos – clero, religiosos e leigos – não o conhecer ou fazer de conta que ele não existe.
Bento XVI diz o mesmo de um modo mais amoroso, mas não menos violento. E vou repetir uma frase, que já aqui citei várias vezes e voltarei certamente a fazê-lo: “No início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo” (DCE, 1). O sorriso tão típico e as palavras tão melífluas de Bento XVI escondem o vulcão que está contido nesta afirmação e que deveria ter sido gritado com a fúria profética de João Baptista.
Quem não se compromete no mundo põe a sua salvação eterna em perigo. Sem luta pela justiça não há evangelização autêntica. O Cristianismo não é um manual de boas maneiras, mas um encontro existencial com a Pessoa de Jesus Cristo para dar um rumo decisivo à nossa vida.
Três frases que dizem todas o mesmo e que, portanto, terão todas o mesmo destino: serem esquecidas e o mais rapidamente possível. Que diabo, nós temos a nossa vida para viver. Já imaginaram o que aconteceria à paz da nossa consciência e à nossa vida se as levássemos a sério?

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