divórcio ou casamento eterno?...

2007-12-16

Pastoral erótica

Aí vai o segundo artigo sobre a renovação da Igreja em Portugal.
Peço mais uma vez, sobretudo aos cristãos, mas seria óptimo que outros cidadãos quisessem também participar, que façamos deste espaço um debate sério, profundo e criativo sobre a Igreja em Portugal. É este o único objectivo do texto que se segue, bem como do anterior, com o qual em profundas ligações.
Como já lhes disse, vou estar algum tempo fora, mas pedireir à minha filha que me vá informando do andamento debate: como vêem, sou um optimista inveterado!!!



PASTORAL ERÓTICA
A expressão não é minha. Mas veio-me à memória para ilustrar a minha reflexão de hoje, na qual pretendo continuar o meu contributo para a renovação profunda da nossa Igreja, que Bento XVI propôs aos nossos Bispos e através deles a todos nós: uma pastoral do inesperado, do atractivo, que mobilize a atenção do ouvinte, como Jesus fazia tão bem.
Com esta expressão estou a pensar apenas na qualidade que deveria ter a nossa patoral: sedutora, irresistível, “bem apresentada”, capaz de estimular o desejo de ser aceite. Se nós, os cristãos, não formos capazes de seduzir, de interpelar, de cativar com a palavra e sobretudo com o testemunho, como poderemos proclamar credivelmente o nosso Deus? Ora a nossa pastoral, como já aqui referi algumas vezes, é demasiado “soft”, isto é, pouca “agressiva”: mais verniz superficial que actuação em profundidade (EN 20), mais interessada na quantidade que na qualidade (EN 19), pouco preocupada em conseguir um homem novo (EN 18), com bastante dificuldade em fazer uma leitura profética dos sinais dos tempos (GS 4).
Mas para tal confrontamo-nos com alguns problemas de fundo.
Precisamos, em primeiro lugar, de acreditar realmente no projecto de Jesus Cristo, porque “o pior não é o vazio numérico, mas o vazio interior que sente uma Igreja sem autoestima, sem rumo, sem projecto” (Bautista). Sem um “novo ardor” (João Paulo II), sem o “fervor dos santos” (EN 80), vivemos na defensiva, amargurados pelo complexo da perseguição, refugiando-nos num atitude dogmática e apologética ou mesmo de guetto. Assim não é possível o diálogo com o mundo de hoje e a nossa credibilidade irá de mal a pior. Sentimos orgulho em ser cristãos? Sentimos / sinto uma alegria tal que seria capaz de vender tudo para comprar o campo que tem a pérola (Mt 13,44)? Sentimos / sinto a alegria do carcereiro de Paulo que teve de fazer uma festa para celebrar a sua conversão (Act 16,34)? Ser cristão faz parte da nossa / minha identidade ou é um apêndice que tenho receio de expor? É que ninguém convence se não estiver convencido.
Um segundo aspecto é que temos de mudar profundamente. Todas as comunidades têm de “assimilar o essencial da mensagem evangélica e de a transpor, sem a mínima traição, para a linguagem que os homens entendam… no campo das expressões litúrgicas, na catequese, na formulação teológica, nas estruturas eclesiais secundárias e nos ministérios” (EN 63). O mundo em que vivemos mudou muito e não podemos continuar prisioneiros de conceitos e linguagens do passado, o que nos faz correr o sério risco de sermos incompreensíveis para as pessoas de hoje. É que “as ideias da nossa espiritualidade e o vocabulário das nossas orações remontam a muito mais de dois mil anos, que os nossos conceitos teológicos levam quase sempre a marca ou até a estrutura íntima elaborada na Patrística e na Idade Média, que a nossa estruturação comunitária e os modos de governo têm uma antiguidade semelhante”. Superar tal desfasamento é “uma tarefa global, de dimensões imensas, que implica a reconfiguração da oferta cristã toda!”. O que só será possível com a colaboração de todos e, mesmo assim, “impõe-se contar com o tempo e a paciência necessários para a maturação dos projectos, para a ruptura das inércias, tanto institucionais como conceptuais” (Queiruga). Depois, das revoluções cosmológica (heliocêntrica), com Galileu, sociológica, com Marx, biológica, com Darwin, psicológica, com Freud, informática, com a Net, e depois também do Vaticano II, não seria já mais que altura para renovarmos os suportes intelectuais dos nossos principais formadores?
Já não bastam rectificações pontuais, ajustamentos de linguagem ou vontade sincera de diálogo. Estamos numa outra cultura, num outro tempo, mas que é uma cultura e um tempo que é o nosso. Somos chamados a ser cristãos de hoje e não da Idade Média. Seria uma traição ao Evangelho querer vivê-lo com categorias medievais, pois cada tempo é chamado a viver segundo o seu tempo. O mundo está em permanente evolução e a Igreja não pode querer responder aos tempos de hoje com respostas de ontem: o vinho é sempre novo; mas os odres continuam velhos.
Um outro problema prende-se com o Reino de Deus, que Jesus nos veio pregar. Ainda no domingo passado, no Prefácio, ouvimos uma definição lindíssima do Reino: “um reino eterno e universal: um reino de verdade e vida, reino de santidade e de graça, reino de justiça, de amor e de paz”. A fidelidade a este Reino implica, portanto, uma conversão com duas componentes inseparáveis: uma espiritual, pois trata-se de um reino de santidade e de graça; outra social, pois esse mesmo Reino é também um reino de justiça, amor e paz.
Muitos outros lutam pela justiça e pela paz e muitas vezes melhor que nós, os cristãos. Mas nós devemos fazê-lo não só por razões humanitárias, mas antropológicas e teológicas: antropológicas, porque o que está em causa é a pessoa, cada pessoa, como “imagem de Deus”, e teológicas, porque o que está em causa é a credibilidade do Deus a quem dizemos amar acima de todas as coisas. Por isso, temos de nos converter e introduzir no Mistério de Deus, um Deus que é Deus da justiça, de amor e de paz. Mas convertermo-nos a este Deus é também convertermo-nos à luta pela justiça e pela paz, por amor. O nosso Deus não é um Deus de intenções, mas sim de motivações e de vida, de vida em plenitude. Por isso, o Sínodo dos Bispos de 1971 afirmava que “a acção pela justiça é uma dimensão constitutiva da pregação do Evangelho” (JM 6).

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