divórcio ou casamento eterno?...

2007-10-30

Anacoluto

O primeiro editorial do novo director do Osservatore Romano deixou-me um pouco baralhado, porque me parece um anacoluto. Talvez alguém já não se lembre desta figura de estilo: começa-se por uma ideia depois salta-se para outra que pouco ou nada tem a ver com a primeira.
Em vez de grandes explicações, passo a citar algumas passagens.
A primeira parte é um retalho de citações de um artigo de Montini, futuro Paulo VI, então arcebispo de Milão, no centenário do jornal:
"Para ser um grande jornal é necessário desenvolver a sua natureza de «jornal de idéias». Sim, porque o jornal vaticano «não é, como muitíssimos outros, um simples órgão de informação; quer ser um meio principalmente de formação. Não quer só dar notícias, quer criar pensamentos. Não lhe basta referir os factos como acontecem: quer comentá-los para indicar como deveriam ou não ter ocorrido. Não mantém só um colóquio com seus leitores; ele tem-no com o mundo: comenta, discute, polemiza".
"Nenhum outro pode ter horizonte mais amplo de observação; nenhum outro pode ter fontes mais ricas de informação; nenhum outro tem temas de desenvolvimento mais importantes e mais variados; como nenhum outro, juízo de orientação mais autorizado e mais benéfica função de educação na verdade e na caridade".
Tendo em atenção o título do editorial "Tradição e futuro", estas citações de Montini ilustram a tradição. E qual é o futuro que o novo director desenha?
Muito simples e linear: o jornal será o "jornal do Papa". E para que não pensem qua há engano, esta afirmação aparece mais que uma vez:
"L’Osservatore Romano é, antes de tudo, o «jornal do Papa», e difundirá de duas formas o ensinamento e a pregação do bispo de Roma: conservando a sua peculiar natureza documental e desenvolvendo a da informação jornalística. Mas também se tornará maior expressão dos organismos e das representações da Santa Sé, em Roma e no mundo ao serviço de Bento XVI..."
"E o mundo verá o jornal do Papa informando sobre ..."
"Seguindo o exemplo de Bento XVI e difundindo os seus ensinamentos, o seu jornal quer dirigir-se com amizade a todos, crentes e não-crentes"
O Osservatore Romano é o jornal do Papa, ou precisando melhor, é o jornal de Bento XVI.
E eu a pensar, na minha qualidade de crente, que era o jornal da Igreja, que devia estar ao serviço da Igreja e do Reino de Deus. Mas como se lê na primeira citação estamos todos "ao serviço de Bento XVI".
Voltámos à monarquia absoluta. Colegialidade, onde vai ela!... Corresponsabilidade e participação, desaparecem do mapa. Bento XVI nos dirá o que devemos fazer. Não vamos precisar de pensar e quanto menos pensarmos melhor. Onde vai longe o sonho de Montini: "um jornal de ideias"!
O novo director chama-se professor Giovanni Maria Vian.
Angura-se-lhe um futuro promissor. Só tenho uma sugestão: é que use sempre calças!

Para não esquecer que aconteceu um Concílio, cá vai mais uma citação:
Portanto, ainda que na Igreja nem todos sigam pelo mesmo caminho, todos são contudo chamados à santidade e a todos coube a mesma fé pela justiça de Deus. Ainda que, por vontade de Cristo, alguns são constituídos doutores, dispensadores dos mistérios e pastores em favor dos demais, reina, porém, igualdade entre todos quanto à dignidade e quanto à actuação, comum a todos os fiéis em favor da edificação do corpo de Cristo. A distinção que o Senhor estabeleceu entre os ministros sagrados e o restante povo de Deus contribui para a união, já que os pastores e os demais fiéis estão ligados uns aos outros e aos fiéis: e estes dêem alegremente a sua colaboração aos pastores e aos doutores (LG 32)

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