divórcio ou casamento eterno?...

2009-03-26

Solidariedade a sério em tempos difíceis

Acabei de ler no Courrier Internacinal a história da sr.ª Myra Sawicki, funcionária da Chrysler. Quando começaram os despedimentos ela ficou preocupada com um colega que ia ser despedido juntamente com a mulher.
“Então teve uma ideia. Está com 52 anos, os filhos já crescidos, o marido, Peter, motorista rodoviário, tem um bom seguro de vida e ela gostava de se ocupar da sua velha mãe doente”. Com a concordância da direcção propôs ao colega ser despedida em vez dele: “Brian, estou disposta a substituir-te na leva de despedimentos, porque estou em melhor condição que tu para enfrentar o desempregado”. Depois de vencidas as resistências, o colega acabou por aceitar. O artigo vale a pena ser lido pelas referências a uma verdadeira solidariedade que vai existindo, apesar de os jornais não falarem disto.
É perigoso. Pode pegar-se e deixar os egoístas em maus lençóis.

Foi muito bonito este gesto. E referi os pormenores que a sr.ª Myra conta para dizer que eles não foram o fundamental da sua decisão, mas sim o seu sentido de solidariedade a sério. Situações como as dela muitos dos que não foram despedidos as teriam e não se ofereceram para trocar de lugar com outros mais carenciados.
E isto deve ser divulgado. Porque tal como o mal se “pega” também o bem se “pega”. Resta saber de qual fazemos mais publicidade!!!

Este episódio lembra-me de algum modo um momento da minha vida. Este é um segredo que só alguns amigos cobnhecem, mas como aconteceu há tantos anos, já poderá ser divulgado!Reformei-me há cerca de 20 anos, com apenas 20 anos de serviço. Não para que outro não fosse despedido. Mas, porque a minha mulher assegurava suficientemente os nossos custos com a casa, o carro e os dois filhos. E porque eu não conseguia ser investigador, pai e cumprir as responsabilidades eclesiais que entretanto assumira, nomeadamente a organização de um Congresso Diocesano de Leigos. A minha capacidade de trabalho não dava para tudo. Além disso, embora gostasse de ser investigador em Química Teórica, pareceu-me que podia ser muito mais útil lutando num campo que está muito empobrecido de pessoas: o de desafiar e estimular os outros (e sobretudo a mim) a uma cidadania activa na sociedade e na Igreja.
Andava eu a pensar nisto e a discuti-lo com a minha mulher e a minha filha de 11 anos, quando encontrei um texto dos Bispos franceses (publico amanhã uma parte mais substancial dele) de que passo a citar uma frase que me marcou profundamente e, no meio de muitas outras razões, algumas das quais já referi atrás, veio a ter um peso interior quase esmagador:
- Em certos casais, quando os filhos já estão educados e as despesas
diminuem, poderia pensar-se na reforma antecipada.
Eu não conseguia ignorar aquelas palavras, tinha que fazer a extrapolação e não consegui libertar-me das consequências inevitáveis. E reformei-me ao abrigo de uma disposição temporária governamental.

Mas o mais irónico aconteceu quando discuti isto com muita gente: amigos, conhecidos, cristãos e ateus. E sabem quem mais força fez para eu não me reformar? Alguns dos padres com quem falei. Argumentos utilizados:
1º Perdia categoria! A fúria, que me invadia ao ouvir isto, a mim que não tenho curriculum apresentável e só espero que o S. Pedro lá tenha umas anotações favoráveis na minha folha de serviço, não a vou descrever aqui.
2ª E se acontece alguma coisa à tua mulher? Respondia com dois argumento:
- um de elevadíssimo risco sobre a Providência divina que ia buscar a Mt 6,25ss (não é que acredite que Deus ande para aí a fazer milagres e a tirar as pedras do caminho aos que acreditam nele, bastando-nos ficar à sombra da bananeira à espera que as bananas caiam): afinal qual era a qualidade da minha fé e qual era o projecto de Deus para mim (já que, por razões que não vêm ao caso, não fui autorizado a doutorar-me, o que me levou a interpretar isso como sinal de que “Deus não queria que eu me doutorasse”, como eu tanto desejava. Portanto Ele tinha outros projectos para mim, que fui tentando descobrir e cumprir com as minhas limitações e capacidades!). Mas não é a fé um risco elevado, e, passe a heresia, um salto no escuro?;
- o outro era o facto de, na altura, eu não ser física nem mentalmente aleijado e portanto alguma coisa se havia de arranjar.
Aliás ainda lembro o sorriso cúmplice mas sardónico do empregado de secretaria quando fui tratar da papelada, ao aconselhar-me: “Faz muito bem, sr. dr., com a sua reforma e com o que vai ganhar lá fora, fica muito melhor”.
Nem lhe disse que o meu voluntariado seria gratuito.
Porque ele não acreditaria (como ainda há uns tempos atrás alguém me disse que não acreditava que não recebesse nada (de dinheiro, entenda-se!!!) da Diocese) e, lá no seu íntimo, considerar-me-ia maluco!
O que, como imaginarão, me deixaria altamente preocupado!!!

5 Comentários:

Blogger  disse...

E há algum dinheiro que pague a felicidade e a autêntica realização pessoal e a estabilidade familiar?
Uma medida menos radical que considero razoável era dar possibilidade de trabalhar a meio tempo. Estou convencida que ajudava a muito boa gente a ultrapassar dificuldades de toda a ordem...

Um abraço

28/3/09 22:24

 
Blogger Zé Dias disse...


Primeiro que tudo devo-lhe uma explicação, por não ter respondido ao seu comentário sobre os professores. Embora a Fá tenha direito à indignação, não me recordo de, em qualquer escrito ou afirmação pública, ter falado “com leviandade” (penso que foi o termo que utilizou) dos professores. É certo que não estou de acordo com eles nalguns aspectos, mas apenas a nível particular entre amigos posso ter feito afirmações menos fundamentadas. Mas nunca, que me lembre, em público. Para lhe responder escrevi um texto longo que submeti a vários professores muito amigos e competentes e obtive três tipos de respostas: primeiro, estou totalmente de acordo com a Fá e se estivesse ao pé de ti torcia-te o pescoço; segundo, estou completamente de acordo com o teu texto (que não enviei à Fá); terceiro, tirando as aulas de substituição até estão os dois de acordo e deves publicar o texto porque daria origem a um debate que é necessário.
Confirmei então que o tema está já numa fase demasiado emocional, pelo que resolvi não publicar o texto. Mas fica uma justificação que devia à Fá.

Quanto ao tema de hoje, não sou um defensor fundamentalistas de soluções intremédas que as há e dignas para todas as partes.
Num livro que escrevi sobre DSI, tive oportunidade de divulgar e apelar a um a proposta de G. Aznar (não confundir com o ex-primeiro-ministro espanhol) de um trabalho “a meio tempo” que eu resumi assim:
- dispor de duas pessoas, no mesmo trabalho, por cada dia completo;
- ter dois tempos para a mesma pessoa: um, consagrado a um tipo de actividade, na esfera profissional; o outro, consagrado a outras actividades, na esfera individual ou social, “um tempo para amar” e que poderia ser dedicado ao acompanhamento dos filhos ou de outro familiar, à actualização de novos conhecimentos, a um “serviço cívico” que deveria ser extensível a todos, etc..
Assim, concluía eu, teríamos uma “sociedade bipolar”, com dois pólos regidos por objectivos, actividades e critérios distintos, de modo a respeitar as várias dimensões da pessoa. Seria, pois, uma alternativa e sobretudo o antídoto contra a actual “sociedade dual”, geradora de profundas desigualdades e injustiças.
Esta solução acarretaria custos acrescidos, que deveriam ser repartidos em duas fracções:
- uma, paga pela empresa como remuneração pelo trabalho realizado;
- outra, pelo Estado: não só sob a forma de compensações fiscais ou afins às empresas, mas também para repor um salário digno ao trabalhador.

30/3/09 13:31

 
Blogger Zé Dias disse...


Faltou-me fazer votos para que continue a lutar por aquilo em que acredita, nomeadamente por uma escola melhor, que eu também desejo. Num país como o nosso, onde a cidadania quase não existe, é indispensável que todos os que têm ideias construtivas lutem pelo que acreditam ser o mais justo e correcto.
Só assim o nosso futuro será diferente e mais à medida da pessoa.
É o que eu, com as minhas capacidades e limitações, vou tentando, sobretudo através da palavra escrita e falada.
Por isso, não desista, como tenho visto alguns colegas seus fazerem porque já estão cansados de "tanto descalabro". Pior ainda, outros mantêm-se, mas de modo perfeitamente incoerente. Destas duas situações tenho dados concretos!
O futuro depende de nós, de todos nós: é uma tarefa dura que exige a "vontade da democracia". E a minha "angústia" cívica é que, de um modo geral, os cidadãos não estão disponíveis para lutar pelo bem comum.
Um abraço e escreva sempre

Zé Dias

30/3/09 13:53

 
Anonymous Anónimo disse...

E já agora, Zé Dias, o termo que utilizei foi "ligeireza" e não "leviandade". É diferente...:)

14/4/09 18:15

 
Anonymous Anónimo disse...

O comentário que escrevi há pouco não foi publicado. Coisas das máquinas que também falham:) Envio-o de novo. Aí vai ele:

Bem haja, Zé Dias!
Estou convencida de que nos aspectos essenciais até estaremos de acordo. Divergimos essencialmente no pormenor. Não é de estranhar uma vez que eu vivo a situação no terreno e o Zé apercebe-se dela externamente... Acredite: os diplomas que têm sido publicados no âmbito da educação geram injustiças gritantes. Esmagaram pessoas que dedicaram toda uma vida ao ensino, incentivam a prática da mediocridade e abrem alas a compadrios de todo o tipo... Isso não invalida que, no actual contexto social, essas mesmas injustiças e perversidades sejam gotas de água num mar imenso. Reconheço que são!
Aguçou-me a curiosidade relativamente ao texto que escreveu...
Aproveito para desejar um Santo Tempo Pascal

Um abraço

14/4/09 19:45

 

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