divórcio ou casamento eterno?...

2009-03-28

Uma nova Terra

Tenho insistido várias vezes em que todos devemos construir uma "nova terra". E mais ainda agora, num tempo em que tantos mitos e dogmas mostram os seus pés de barro, a ocasião é especialmente propícia para esta tarefa.
Antes de ir passar fora uma semana, aqui deixo o meu último artigo que aborda mais uma vez este tema. Talvez me esteja a tornar cansativo e repetitivo, mas é este um momento que não podemos perder para semear a esperança e propor a novidade, sobretudo a novidade perene do Evangelho.


UMA NOVA TERRA
É bem conhecida a expressão “nova terra e novos céus” (GS 39), variação da expressão bíblica “céu novo e terra nova” (2Pd 3,13; Ap 21,1).
Quanto ao “céu” pouco poderemos fazer, mas quanto à terra, a uma “nova terra” ela só poderá existir com o nosso contributo empenhado e construtivo. Até porque trabalhar a terra, desenvolver as suas potencialidades é colaborar na preparação de uma terra mais humana mas também do “céu novo”.
Deus, apesar de ser o Senhor da história (GS 26), quer que sejamos nós a construir a nova terra. Por isso, o contributo da nossa actuação para o Reino futuro é um elemento indispensável que Deus certamente aproveitará e levará à plenitude no fim dos tempos: “O futuro dos nossos esforços e a substância positiva dos seus esboços são assumidos e são devolvidos no dom gratuito final. Algo assim como o mestre que entregou um esquema aos seus alunos, o toma por sua conta, o transfigura totalmente, mas assumindo sempre no seu trabalho aquilo que uma mão inábil procurou esquematizar. Deus dará tudo e certamente tudo novo, mas a sua vontade é que tenhamos cooperado antes com eficiência”(Y. Congar).
Portanto, torna-se evidente que devemos dar atenção ao que somos chamados a fazer, e nisto pouco ou nada nos distingue dos “homens e mulheres de boa vontade”. Mas, como cristãos, temos de ir mais além. Temos também de estar muito atentos ao como fazemos: precisamos de ultrapassar a justiça ou pelo menos modulá-la pela caridade, pelo amor com que damos o nosso contributo: “Se alguém te requisita para andares uma milha (por força da justiça), anda duas (por exigência da caridade)” (Mt 5,41). Efectivamente o que prepara o advento do Reino e o que o faz avançar não é tanto o que nós fazemos mas o amor que anima o nosso coração e as nossas acções.
Parece-me, no entanto, importante chamar a atenção para a necessidade de evitar duas atitudes erradas: relevar o que se faz desvalorizando o como se faz; dar prioridade ao como se faz secundarizando o que se faz. Já S. Paulo condenava os que não trabalhavam, certamente por estarem persuadidos de que o fim do mundo (“a segunda vinda de Cristo”) estaria para breve: “Se alguém não quer trabalhar abstenha-se também de comer” (2Tes 3,10). Há pois que estarmos atentos e ter presente que “o amor de Deus é o primeiro mandamento na ordem da dignidade; o amor ao próximo é o primeiro na ordem do agir” (S.to Agostinho).
O cristianismo não é, pois, uma mera moral de intenções, mas resulta do encontro com a Pessoa de Jesus Cristo (DCE 1) que veio para todos “tivéssemos a vida e a tivéssemos em abundância”(Jo 10,10). Isso exige-nos que também nós, cristãos, trabalhemos para que todos tenham a vida e a tenham em abundância.
Estamos num tempo em que a urgência de um “nova terra” se impõe a todos, crentes e não crentes. Não é tempo de discutir fundamentações, mas de cada um, motivado pela força das suas convicções mais íntimas, dar as mãos e em conjunto lutarmos por este objectivo inadiável. Os últimos acontecimentos mostram não só a urgência mas também a inevitabilidade de termos uma “nova terra”, de mudarmos de paradigma, de nos organizarmos segundo outros critérios, a nível internacional, nacional e pessoal. Não podemos continuar a viver sob a tirania das leis férreas de um mercado que só serve alguns, “os mais violentos competidores e que menos sofrem de escrúpulos de consciência” (QA 107), a ser governados por dirigentes políticos que, a todos os níveis, parecem ter perdido os seus referenciais éticos, a deixar andar uma sociedade onde somos consumidores e não agentes da história, somos “humildes e subservientes” a qualquer autoridade e não cidadãos que lutam pelos seus direitos e pelos dos outros independente do esforço e do sacrifício pessoal que isso acarrete, sobretudo em termos de “subir na carreira”.
Repito: esta urgência impõe-se a crentes e não crentes. Estes não poderão ignorar Marx: “Até agora os filósofos mais não fizeram do que interpretar de todos os modos o mundo, mas do que se trata é de transformá-lo” (XI Tese sobre Feuerbach). Para os crentes o desafio é o mesmo: “Não cumpriria a vontade de Deus criador quem quisesse renunciar à tarefa, difícil mas nobilitante, de melhorar a sorte do homem todo e de todos os homens, sob o pretexto do peso da luta e do esforço incessante de superação, ou mesmo pela experiência da derrota e do retorno ao ponto de partida” (SRS 30). Dramática é a acusação do Concílio: “O cristão que descuida os seus deveres temporais falta aos seus deveres para com o próximo e até para com o próprio Deus, e põe em risco a sua salvação eterna” (GS 43). Isto é, na transformação do mundo, na construção de uma “nova terra”, os cristãos jogam a sua salvação eterna. Quer queiramos quer não, fora do mundo (para poder transformá-lo) não há salvação para nós.
É certo que o progresso terrestre não conduz por si só ao Reino de Deus nem coincide com o seu progresso, mas há uma relação mais íntima que possamos imaginar (GS 39). A evangelização influi sobre a civilização e a civilização condiciona a evangelização, ou, como dizia Pio XI, “a missão própria da Igreja não é civilizar mas evangelizar, ou melhor, civilizar evangelizando“.
Crentes e não crentes somos, pois, igualmente chamados, ainda mais hoje, a transformar a realidade.

2 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Caro Zé Dias: De vez em quando passo por aqui, e vejo com satisfação que continuas muito activo. BOM! Há dias em conversa com um amigo comum, calculas quem se vês o nosso espaço, ele me dizia que ler-te é uma obrigação e que aprecia muito o que escreves. Ao ler um teu apontamento mais abixo lembrei-me o que se passou comigo a seguir à reforma, em que muitos me perguntavam/diziam: Mas tem alguma coisa!? - Tenho! (mas não remunerada, pensava para comigo).
Gostarás de saber que o professor de D.S.I. indicava o teu livro que escreveste sobre o tema (antes deste último das Paulinas), para o estudo que fazem os que se preparam para a função, que saberás, que tenho presentemente.
Um abraço do FF.

7/4/09 13:58

 
Blogger Zé Dias disse...

Essa história do primeiro livro que escrevi sobre DSI não conhecia...

Mas fico feliz por poder ser útil sobretudo nessa área que foi (e ainda continua, embora menos) mal tratada e quase desconhecida para grande parte dos cristãos.

Foi um prazer ler-te.
E é com prazer que te (e a todos os que aqui vêm visitar-me)desejo uma boa e santa Páscoa, que se prolongue até à eternidade.

8/4/09 09:31

 

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