divórcio ou casamento eterno?...

2009-12-18

CinV (71) Esperança cristã

Esta referência insistente na esperança, sugere-me que faça um parêntese para aprofundar um pouco mais o pensamento do Papa, que, como é sabido, dedicou a sua segunda encíclica (Spe Salvi: 30.Nov.2007) à esperança. E aproveitaria a sua sugestão de relermos o nº 24.
Logo a abrir, coloca duas questões “O que é que podemos esperar? E o que é que não podemos esperar?”.
Há vários modos para descrever a esperança: será a fé em movimento, o garante da nossa sociabilidade, o motor da nossa acção. Temos esperança porque temos fé ou temos fé porque temos esperança? O que faríamos se não tivéssemos esperança, se não “acreditássemos” que as nossas acções podem levar-nos a algum lado e a contribuir para um mundo melhor? Como poderíamos não cair no desânimo se não fosse a esperança em dias melhores, como a esperança num Messias salvou do desespero o “povo eleito” quando do exílio na Babilónia?
Mas a esperança precisa de um forte conteúdo: uma esperança sem conteúdo não é esperança. Contudo, nem todos os conteúdos servem para alimentar uma esperança autêntica.
Por isso, Bento XVI, em resposta às suas questões iniciais, faz uma distinção entre o plano material e o plano ético:
- “devemos constatar que um progresso por adição só é possível no campo material. Aqui, no conhecimento crescente das estruturas da matéria e correlativas invenções cada vez mais avançadas, verifica-se claramente uma continuidade do progresso rumo a um domínio sempre maior da natureza”;
- no domínio ético, contudo, a dinâmica é outra, porque aí aparece um novo actor, a liberdade: “no âmbito da consciência ética e da decisão moral, não há tal possibilidade de adição, simplesmente porque a liberdade do homem é sempre nova e deve sempre de novo tomar as suas decisões”.
A liberdade “baralha” a simplicidade dos processos rectilíneos, como seria o caso, para muitos, do progresso material, não fora a circunstância deste tipo de progresso poder tornar-se autofágico, já que os seus avanços e descobertas carregam consigo sementes de destruição a exigir contínuas rectificações. Os processos humanos são, contudo, muito complexos, mais até do que nós imaginamos, sobretudo quando se trata de fazer opções. Ora acontece que qualquer estilo de vida exige opções, sejam elas fundamentadas e assumidas, impostas por terceiros ou resultantes do “deixar andar”.
É por isso que a liberdade, no seu sentido nobre, tem várias implicações:
- obriga a que as nossas decisões “nunca apareçam simplesmente já tomadas em nossa vez por outros”, pois, nesta situação, “de facto, deixaríamos de ser livres”;
- pressupõe, de algum modo, um “começar do nada”, não porque não haja nada (existem milénios de património moral da humanidade), mas porque cada um, por ser livre, pode escolher o que quiser e até “fazer tábua rasa” do que existe: “nas decisões fundamentais, cada homem, cada geração é um novo início”.
Esta afirmação deve ser bem compreendida, porque, objectivamente, e esta é uma das grandes diferença entre o homem e os animais, cada geração nunca começa do nada nem material nem espiritualmente: “Certamente as novas gerações, tal como podem construir sobre os conhecimentos e as experiências (materiais) daqueles que as precederam, podem (também) haurir do tesouro moral da humanidade inteira. Mas podem também recusá-lo, pois este não pode ter a mesma evidência das invenções materiais. O tesouro moral da humanidade não está presente como o estão os instrumentos que se usam; aquele existe como convite à liberdade e como sua possibilidade”.
Este convite à liberdade obriga-nos a perceber um pouco melhor aquilo que a liberdade implica.

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