divórcio ou casamento eterno?...

2009-12-17

CinV (70) Lógica do Dom e a Economia (nº 34)

A dificuldade em sentirmos “a admirável experiência do dom” não tem apenas consequências na nossa vida pessoal. Um dos campos onde os seus efeitos são mais perniciosos é o da economia e disso temos “uma prova evidente nos dias que correm” visível em várias atitudes e até nas nossas “certezas”:
- a nossa mentalidade prometeica de que tudo podemos e de que nada nos está proibido: “a convicção de ser auto-suficiente e de conseguir eliminar o mal presente na história apenas com a própria acção induziu o homem a identificar a felicidade e a salvação com formas imanentes de bem-estar material e de acção social”;
- a desmentida, mas bem vivida, separação ente a economia e a ética: “a convicção da exigência de autonomia para a economia, que não deve aceitar «influências» de carácter moral, impeliu o homem a abusar dos instrumentos económicos até mesmo de forma destrutiva";
- a violação da liberdade que daqui decorre: “Com o passar do tempo, estas convicções levaram a sistemas económicos, sociais e políticos que espezinharam a liberdade da pessoa e dos corpos sociais e, por isso mesmo, não foram capazes de assegurar a justiça que prometiam”;
- a eliminação do nosso horizonte da esperança cristã, a qual “constitui um poderoso recurso social ao serviço do desenvolvimento humano integral, procurado na liberdade e na justiça”.

Aqui o Papa remete-nos para a sua anterior encíclica sobre a esperança, onde dá conta de uma “transição desconcertante”. Antes da época moderna, “a recuperação daquilo que o homem, expulso do paraíso terrestre, tinha perdido esperava-se da fé em Jesus Cristo, e nisto se via a «redenção». Agora, esta «redenção», a restauração do «paraíso» perdido, já não se espera da fé, mas da ligação recém-descoberta entre ciência e prática. Com isto, não é que se negue simplesmente a fé; mas, esta acaba deslocada para outro nível – o das coisas somente privadas e ultraterrestres – e, simultaneamente, torna-se de algum modo irrelevante para o mundo. Esta visão programática determinou o caminho dos tempos modernos, e influencia inclusive a actual crise da fé que, concretamente, é sobretudo uma crise da esperança cristã. Assim também a esperança, segundo Bacon, ganha uma nova forma. Agora chama-se fé no progresso…. Ao longo do sucessivo desenvolvimento da ideologia do progresso, a alegria pelos avanços palpáveis das potencialidades humanas permanece uma confirmação constante da fé no progresso enquanto tal” (Spe Salvi 17).
Para que o ser humano não fique fechado na sua auto-suficiência, é necessário, pois, um retorno à esperança, porque “ a esperança encoraja a razão e dá-lhe a força para orientar a vontade ”.
Este retorno é particularmente urgente num tempo de crise. As dificuldades arrastam geralmente as pessoas para o desânimo, o descrédito nos outros, o medo do que lhes poderá vir a acontecer e também o medo do que os outros lhe podem “tirar”, tudo isto muitas vezes convertido numa paralisia angustiante e demolidora.
João Paulo II ensinava, na Carta preparatória do Jubileu 2000, que “a atitude fundamental da esperança, por um lado, impele o cristão a não perder de vista a meta final que dá sentido e valor à sua existência inteira e, por outro, oferece-lhe motivações sólidas e profundas para o empenhamento quotidiano na transformação da realidade a fim de a tornar conforme ao projecto de Deus” (Tertio Millenio Adveniente, 43). Por isso, “mesmo frente às dificuldades da vida presente e perante as dolorosas experiências de prevaricações e de falhanços do homem na história, a esperança é a fonte do optimismo cristão. Certamente a Igreja não pode fechar os olhos perante a abundância do mal que existe no mundo. Contudo, sabe que pode contar com a presença vitoriosa de Cristo e nessa certeza inspira a sua acção longa e paciente” (Audiência Geral 27.Maio.1992).

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