divórcio ou casamento eterno?...

2009-12-21

CinV (73) Caridade como dom (nº 34)

A “caridade” é uma presença constante em toda a encíclica normalmente associada a outros valores fundamentais como a verdade e a justiça.
O Papa finaliza este nº, associando o dom da caridade à justiça. É claro que a justiça, a autêntica justiça não pode faltar, pois sem justiça nunca pode haver caridade. A justiça é, digamos assim, ontologicamente,anterior à caridade, tal como o ser pessoa é anterior ao ser cristão. Eu nasço primeiro como pessoa e só depois me faço cristão. Nascer não é uma opção minha, ser cristão é ou devia sê-lo. O Papa já referira atrás, como vimos, esta articulação vital entre caridade e justiça, apresentando a justiça como o primeiro passo da caridade: “A caridade supera a justiça, porque amar é dar, oferecer ao outro do que é «meu»; mas nunca existe sem a justiça, que induz a dar ao outro o que é «dele», o que lhe pertence em razão do seu ser e do seu agir. Não posso «dar» ao outro do que é meu, sem antes lhe ter dado aquilo que lhe compete por justiça. Quem ama os outros com caridade é, antes de mais nada, justo para com eles. A justiça não só não é alheia à caridade, não só não é um caminho alternativo ou paralelo à caridade, mas é «inseparável da caridade», é-lhe intrínseca. A justiça é o primeiro caminho da caridade ou, como chegou a dizer Paulo VI, «a medida mínima» dela” (6).
Agora volta à mesma ideia, mas acrescentando algo mais, naquele estilo circular que aparece muito neste capítulo: “Ao enfrentar esta questão decisiva, devemos especificar, por um lado, que a lógica do dom não exclui a justiça nem se justapõe a ela num segundo tempo e de fora; e, por outro, que o desenvolvimento económico, social e político precisa, se quiser ser autenticamente humano, de dar espaço ao princípio da gratuidade como expressão de fraternidade”.

Esta ligação da caridade com a gratuidade e a fraternidade surge da consideração da caridade a partir da perspectiva do dom, cujas características apresenta assim: “Por sua natureza, o dom ultrapassa o mérito; a sua regra é a excedência”. Creio que não existe, em português, a palavra excedência e, talvez por isso, numa tradução portuguesa se leia “excelência”. Mas o termo "oficial" (latino) exsuperantia significa “qualquer coisa que supera, que está a cima”, derivado do verbo exsuperare, “elevar-se acima de”, que introduz uma ideia algo diferente de excelência, embora próximo.
A caridade, como dom, por que é dom, assume, pois duas dimensões: a de ser dada a todos e a de ser algo que nos supera, que ultrapassa as nossas forças. Estas duas vertentes têm consequências fundantes:
- porque é algo que é dado a todos torna-se o fundamento estruturante da “única” comunidade humana: “Enquanto dom recebido por todos, a caridade na verdade é uma força que constitui a comunidade, unifica os homens segundo modalidades que não conhecem barreiras nem confins";
- porque é algo que nos supera, só através da caridade poderemos construir uma comunidade fraterna: “A comunidade dos homens pode ser constituída por nós mesmos; mas, com as nossas simples forças, nunca poderá ser uma comunidade plenamente fraterna nem alargada para além de qualquer fronteira, ou seja, não poderá tornar-se uma comunidade verdadeiramente universal: a unidade do género humano, uma comunhão fraterna para além de qualquer divisão, nasce da convocação da palavra de Deus-Amor”.
Assim voltamos à ideia tão repetida e querida da doutrina da Igreja de que a humanidade constitui uma única família, mas introduzindo algo nem sempre bem explicitado. A expressão “uma única família” adquire uma ressonância maior e desdobra-se em duas ideias “quase” independentes. É única porque o dom da caridade é dado igualmente a todos. É família porque só a caridade pode fazer da humanidade uma fraternidade.
Portanto a família única, envolve a caridade como solidariedade (única) e a caridade como fraternidade (família).

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