divórcio ou casamento eterno?...

2009-12-16

CinV (69) Lógica do dom e da gratuidade (nº 34)

É difícil estabelecer, como já referi, fronteiras bem definidas entre o dom e a gratuidade, que ora aparecem associados ora surgem isolados.
Bento XVI começa por recordar que “o ser humano está feito para o dom, que exprime e realiza a sua dimensão de transcendência”. Acontece que a grande maioria de nós não tem uma verdadeira consciência dessa dimensão estruturante, porque:
- temos uma “visão meramente produtiva e utilitarista da existência”;
- estamos convencidos, erradamente, de que somos os únicos autores de nós próprios, da nossa vida e da sociedade;
- preferimos um “encerramento egoísta em nós mesmos, que provém, se queremos exprimi-lo em termos de fé, do pecado das origens”;
- muitas vezes não reparamos que vivemos num mundo, onde, em consequência desse pecado, se cruzam “violências e liberdade, peso do pecado e sopro do Espírito” (OA 37) e que esta ambiguidade está presente em todos os âmbitos da vida: “Na sua sabedoria, a Igreja sempre propôs que se tivesse em conta o pecado original mesmo na interpretação dos fenómenos sociais e na construção da sociedade. «Ignorar que o homem tem uma natureza ferida, inclinada para o mal, dá lugar a graves erros no domínio da educação, da política, da acção social e dos costumes»”.
Podemos resumir tudo numa única frase: não temos consciência do dom, de sermos dom.

João Paulo II já falara do dom e da gratuidade com palavras muito fortes:
- numa, apresenta-nos o dom e a gratuidade,como resposta à nossa sociedade de consumo e às suas consequências inevitáveis na formação dos jovens: “É muito forte sobre os jovens o fascínio da chamada "sociedade de consumo", que os torna submissos e prisioneiros de uma interpretação individualista, materialista e hedonista da existência humana. O "bem-estar", entendido materialmente, tende a impor-se como único ideal de vida, um bem-estar que se obtém a qualquer preço: daqui, a recusa de tudo o que exige sacrifício e a renúncia a procurar e a viver os valores espirituais e religiosos. A "preocupação" exclusiva do ter suplanta o primado do ser, com a consequência de se interpretarem e viverem os valores pessoais e interpessoais não segundo a lógica do dom e da gratuidade, mas segundo a lógica da posse egoísta e da instrumentalização do outro” (Pastores dabo vobis, 8);
- noutra, faz uma aplicação mais “fina”, mais ao nível de cada um de nós, tendo como objectivo a promoção de uma espiritualidade de comunhão: “Espiritualidade da comunhão é ainda a capacidade de ver antes de mais nada o que há de positivo no outro, para acolhê-lo e valorizá-lo como dom de Deus: um «dom para mim», como o é para o irmão que directamente o recebeu. Por fim, espiritualidade da comunhão é saber «criar espaço» para o irmão, levando «os fardos uns dos outros» (Gal 6,2) e rejeitando as tentações egoístas que sempre nos insidiam e geram competição, arrivismo, suspeitas, ciúmes. Não haja ilusões! Sem esta caminhada espiritual, de pouco servirão os instrumentos exteriores da comunhão. Revelar-se-iam mais como estruturas sem alma, máscaras de comunhão, do que como vias para a sua expressão e crescimento” (Novo Millenio Ineunte, 43);
- numa outra, destaca o papel estruturante na estabilidade e na função da família: “As relações entre os membros da comunidade familiar são inspiradas e guiadas pela lei da «gratuidade» que, respeitando e favorecendo em todos e em cada um a dignidade pessoal como único título de valor, se torna acolhimento cordial, encontro e diálogo, disponibilidade desinteressada, serviço generoso, solidariedade profunda” (Familiaris Consortio, 43).

Bento XVI proclam que só “a caridade na verdade coloca o ser humano perante a admirável experiência do dom.”

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