divórcio ou casamento eterno?...

2010-02-07

CinV (91) Autoridade Mundial em João XXIII

O IV Capítulo da encíclica Pacem in Terris conclui que a interdependência crescente entre os povos (130-132) exige uma autoridade mundial (133-137) que deve ser instituída de comum acordo (138), proteger os direitos das pessoas (139) e respeitar o princípio da subsidiariedade (140-141). Considera a ONU um passo importante nesse sentido (142-144) e lembra a necessidade de fomentar uma maior consciência universal (145).
Partindo de uma divergência evidente – a autoridade existe na comunidade nacional mas não na comunidade mundial – João XXIII desenvolve a tese de que, existindo um bem comum universal, tem também de haver uma comunidade universal para o poder realizar: “Como o bem comum de todas as nações propõe hoje questões que interessam a todos os povos e como tais questões só podem ser encaradas por uma autoridade pública cujo poder, forma e instrumentos sejam suficientemente amplos e cuja a acção se estenda a todo o mundo, resulta que, por exigência da própria ordem moral, é mister constituir uma autoridade pública ao nível mundial” (137).
Convém destacar esta novidade de um “bem comum universal”, que as condições de interdependência impõem (130), mas que é em tudo paralelo ao bem comum nacional, apenas incorporando um novo nível, os Estados nacionais (130). Por esta razaão, os direitos humanos continuam a ser o seu objectivo último (139) no respeito pelo princípio da subsidiariedade (140-141). Por isso, também as relações mútuas tanto entre as pessoas (35) como entre as nações (80) devem ser regidas pelos mesmos valores: verdade, justiça, amor/solidariedade e liberdade.
Como os Estados nacionais, integrados numa comunidade superior, nem sempre são capazes de garantir os direitos humanos, impõe-se, pois, a necessidade de estruturar esta comunidade mundial à imagem de cada Estado. Daí a distinção que o Papa faz entre “o direito das gentes (ius gentium)”, que regula as relações entre os povos, e “o direito internacional comum (ius omnibus nationibus commune)”, que regularia o funcionamento de uma comunidade política mundial (133).
Pio XII já tinha postulado a necessidade de uma autoridade mundial, mas apenas no âmbito da segurança (prevenção da guerra). João XXIII amplia-lhe as competências, estendendo-a ao largo âmbito do bem comum universal.
Por isso, João XXIII começa por destacar três aspectos: a inutilidade da guerra como meio para resolver os conflitos entre os povos (114; 126-129); a incapacidade dos Estados nacionais para garantirem o bem comum internacional (132-135); o fim da corrida aos armamentos, sobretudo os nucleares, exigido pela recta razão e pela dignidade humana (109-113).
Faz uma longa referência à ONU, desejando “vivamente” que ela se adapte cada vez melhor aos nossos tempos (142-145). E, ao defender decididamente, apesar de algumas reservas, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (144-145), coloca um ponto final numa doutrina teológica, vigente durante vários séculos, que defendia uma concepção atomistíca da comunidade mundial, pois considerava o Estado, cada Estado, como uma "sociedade perfeita", quer dizer, como uma comunidade onde o homem podia conseguir todos os bens, de ordem política, social, económica e cultural, de que tem necessidade, excepto no plano religioso, reservado à Igreja, também ela uma "sociedade perfeita", mas na ordem espiritual.
João XXIII tem consciência das dificuldades na implementação de uma autoridade mundial, pelo que oferece três contributos:
- não ser imposta pela força, mas instituída de comum acordo, para poder garantir a igualdade entre os povos e limitar o predomínio das grandes potências (138),
- estar ao serviço do bem comum universal, "tendo como objectivo fundamental o reconhecimento, o respeito, a tutela e a promoção dos direitos da pessoa humana" (139); note-se que a referência é ainda "apenas" aos direitos humanos e não, como por exemplo fará Paulo VI, o desenvolvimento dos povos, sinal de que João XXIII foi um "papa de transição": teve intuições proféticas, mas ainda não dispunha de conceptualizações adequadas para as transcrever;
- respeitar o princípio da subsidiariedade, na sua dupla vertente: resolver os problemas que os Estados não podem resolver (140) mas sem calcar as competências próprias das autoridades nacionais (141).

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