divórcio ou casamento eterno?...

2010-01-28

CinV (88) Espírito empresarial (nº 41)

O espírito empresarial, dada a enorme diversidade de situações organizativas, contextuais e estruturais, “deve assumir, cada vez mais, um significado polivalente”. O Papa não está, com toda a certeza, a falar dos pseudo-empresários que apenas se atribuem tal título por causa dos fundos europeus, como aconteceu com tanta gente em Portugal, onde se nota um significativo défice de cultura empresarial. A sua explicação é outra: “A longa prevalência do binómio mercado-Estado habituou-nos a pensar exclusivamente, por um lado, no empresário privado de tipo capitalista e, por outro, no director estatal. Na realidade, o espírito empresarial há-de ser entendido de modo articulado, como se depreende duma série de motivações meta-económicas”.
Penso que já muitos empresários tomaram consciência de que não conta apenas a dimensão económica e muitos sociólogos da empresa e da gestão têm chamado a atenção para outras dimensões, que o Papa classifica de meta-económicas.

Assim, o espírito empresarial deve satisfazer algumas condições:
- naturalmente, a dimensão profissional, cujas características já referi no último comentário;
- mas ainda “antes de ter significado profissional, possui um significado humano” que João Paulo II explicita muito claramente: “É a sua (do “próprio homem”) inteligência que o leva a descobrir as potencialidades produtivas da terra e as múltiplas modalidades através das quais podem ser satisfeitas as necessidades humanas. É o seu trabalho disciplinado, em colaboração solidária, que permite a criação de comunidades de trabalho cada vez mais amplas e eficientes para operar a transformação do ambiente natural e do próprio ambiente humano” (CA 32);
- a dimensão espiritual, tão ignorada, mesmo pelos cristãos, e que João Paulo II desenvolve, de maneira inovadora e brilhante, no capítulo V da sua encíclica Laborem exercens: “Dado que o trabalho na sua dimensão subjectiva é sempre uma acção pessoal, actus personae, daí se segue que é o homem todo que nele participa, com seu corpo e o seu espírito, independentemente do facto de ser um trabalho manual ou intelectual” (LE 24);
- como resumo e recapitulação, a dimensão criadora de cada pessoa, que tão poucos assumem ou porque não querem ou porque não a sentem ou porque pensam que se trata de algum dom excepcional propriedade exclusiva dos génios (cf. a parábola dos talentos ou, ainda mais clara, a doutrina sobre os carismas de S. Paulo).

Bento XVI explicita melhor esta última socorrendo-se dos seus antecessores:
- recorda parte da frase lapidar de Paulo VI de que “seja artista ou artífice, empreendedor, operário ou camponês, todo o trabalhador é um criador”, afirmação de que Paulo VI tira algumas ilações: “Nos desígnios de Deus, cada homem é chamado a desenvolver-se, porque toda a vida é vocação. É dado a todos, em germe, desde o nascimento, um conjunto de aptidões e de qualidades para as fazer render: desenvolvê-las será fruto da educação recebida do meio ambiente e do esforço pessoal, e permitirá a cada um orientar-se para o destino que lhe propõe o Criador. Dotado de inteligência e de liberdade, é cada um responsável tanto pelo seu crescimento como pela sua salvação. Ajudado, por vezes constrangido, por aqueles que o educam e rodeiam, cada um, sejam quais forem as influências que sobre ele se exerçam, permanece o artífice principal do seu êxito ou do seu fracasso: apenas com o esforço da inteligência e da vontade, pode cada homem crescer em humanidade, valer mais, ser mais” (PP 15);
- avisa que esta capacidade criadora não só não deve ser ignorada, mas ,antes, estimada, “pelo que é bom oferecer a cada trabalhador a possibilidade de prestar a própria contribuição, de tal modo que ele mesmo «saiba trabalhar «por conta própria»”, como explicava João Paulo II: “Entretanto, é necessário frisar bem, desde já, que em geral o homem que trabalha deseja não só receber a remuneração devida pelo seu trabalho, mas deseja também que seja tomada em consideração, no mesmo processo de produção, a possibilidade de que ele, ao trabalhar, ainda que seja numa propriedade comum, esteja consciente de trabalhar «por sua conta»” (LE 15).

Bento XVI poderia ainda acrescentar uma consequência social grave referida pelo seu antecessor: quando não se aproveita ao máximo esta capacidade criadora, a coesão social fica em perigo e pode perder a sua legitimidade ética: “A obrigação de ganhar o pão com o suor do próprio rosto supõe, ao mesmo tempo, um direito. Uma sociedade onde este direito seja sistematicamente negado, onde as medidas de política económica não consintam aos trabalhadores alcançarem níveis satisfatórios de ocupação, não pode conseguir nem a sua legitimação ética nem a paz social” (CA 43).

0 Comentários:

Enviar um comentário

<< Home