divórcio ou casamento eterno?...

2010-09-23

Padres Operários

O dia 23 de Setembro está muito ligado a inicitiva pastoral inovadora, que foi a dos Padres-Operários, que provavelmente muita gente nova não conhece.
Não vou contar a história complexa desta experiência pastoral. Só dois ou três apontamentos.
Em 1925, o padre Cardijn criou a JOC (Juventude Operária Católica), certamente estimulado pelo entusiasmo de Pio XI pela Acção Católica. A ideia era que fossem os operários a evangelizar os operários. Até porque novos estímulos e defensores da classe operária sopravam do lado do marxismo. Efectivamente Karl Marx, com a sua famosa obra, O Capital, fizera uma avaliação “científica” demolidora do capitalismo dominante na Revolução industrial. Citou uma afirmação muito significativa do frade veneziano G. Ortes (o séc. XVIII): “Em vez de projectar, para a felicidade dos povos, sistemas inúteis, limitar-me-ei a procurar a razão da sua miséria. O bem e o mal económicos equilibram-se sempre numa nação: a abundância de bens de uns é sempre igual à falta de bens dos outros; a grande riqueza de um pequeno número é sempre acompanhada da privação das necessidades primárias na multidão” (O Capital, I Vol, p. 415, Delfos 1973; sublinhado meu). Mas Marx também denunciou práticas desumanas. Sobre a ocupação de rapazes nas minas a partir dos dez anos legislações desumanas, citava o Relatório da Comissão especial para as Minas inglesa: “Nas minas, o trabalho, onde se compreende a ida e a volta, dura ordinariamente umas catorze a quinze horas, por vezes desde as três, quatro, cinco da manhã até às quatro, cinco da tarde. Os adultos trabalhavam em dois turnos, cada um de oito horas, mas não há alternância para as crianças, por questão de economia. Os mais novos são encarregados de abrir e fechar portas nos diversos compartimentos da s minas…”. Contudo, como explicou um operário à Comissão, esta “tarefa parece fácil. Mas na realidade é das tarefas mais fatigantes. Sem falar das contínuas correntes de ar, os rapazes são como presos condenados a prisão celular onde não há dia” (id. pp. 307 e 308).
Foi preciso esperar mais de vinte anos para que Leão XIII publicasse a encíclica Rerum Novarum (15.Maio.1891; 1967, ano da saída do primeiro volume de O Capital), onde logo quase a abrir proclama: “No século passado desapareceram as associações antigas, sem que em seu lugar aparecesse qualquer outro meio de defesa; os princípios e o sentimento religiosos desapareceram das leis e das instituições públicas, e assim, pouco a pouco, os operários isolados e sem defesa, têm-se visto entregues pelo condicionalismo dos tempos aos sentimentos desumanos dos seus patrões e à cobiça de uma concorrência desenfreada. Uma usura voraz veio agravar a situação. Condenada repetidamente pelo juízo da Igreja, nem por isso deixou de subsistir sob formas diferentes, levada a cabo por homens avarentos e ávidos de mais ganâncias. Para além de tudo isto, deparamos com a realidade de que a contratação do trabalho e a comercialização de quase todos os produtos se encontram nas mãos de um pequeno número de ricos e opulentos que, desta forma, impõem a essa grande multidão de proletários um jugo que em nada difere do jugo dos escravos” (RN 1).

Cardijn cria a JOC na Bélgica em 1925. Dois anos depois o P.e Guerin cria-a em França, com o objectivo de reduzir o desinteresse que a Igreja manifesta, desde meados do século XIX, pelo mundo operário. É neste contexto que alguns assistentes da JOC descem às minas ou trabalham nas fábricas da Renault. Em 1941, o arcebispo de Paris, que já sonhava, nas suas dioceses anteriores, mandar missionários para as fábricas onde Cristo é ignorado como se enviam missionários para os povos africanos, convenceu a Assembleia dos bispos franceses a organizar uma formação especial de padres destinados aos sectores mais descristianizados de França, seminário que foi inaugurado em 5.Out.1942. Passado um ano, dois assistentes da JOC franceses, H. Godin e Y. Daniel publicam um livro que estoirou como uma bomba logo a começar pelo título: La France, pays de mission? (França, país de missão?). Foi um choque tremendo para as consciências: a missão era para os pretos incultos e selvagens. Este título vinha recordar que a França, como os povos de África ou da Papuásia, precisava também de ser evangelizada. No ano seguinte surge a “Missão de Paris”, cujo “objectivo directo é a conversão dos pagãos e o indirecto é mostrar aos cristãos que devem adoptar uma atitude radicalmente nova”. A ideia de chocar a sociedade e despertá-la foi-se espalhando por toda a França.
Karol Wojtyla (futuro João Paulo II) ficou entusiasmado com o livro, com esta novidade. Aliás ele vai ser um dos campeões da reevangelização da Europa (e do mundo) com a sua ideia da nova evangelização.
Mas o Vaticano não estava a achar piada nenhuma. Pio XII não se compromete, mas Ottaviani, o todo poderoso chefe do “Santo Ofício”, é muito claro: não haverá autorização para celebrar à noite, não haverá flexibilidade para o jejum eucarístico, é obrigatório andar de batina. Por outro lado, Montini (futuro Paulo VI) defende que é necessário “correr certos riscos para que não nos arrependamos de não ter feito tudo pela salvação do mundo”. Gostava que a Igreja (Papa, Bispos, padres e leigos) nunca esquecesse estas palavras ao planificar as actividades pastorais das nossas comunidades.
Depois vieram questões teológicas: o padre pode ser um trabalhador como os outros? A sua presença numa empresa cria uma paróquia? Pio XII responde na exortação Menti Nostrae (23.Set.1950): “O sacerdote é um "alter Christus", porque é assinalado com o carácter indelével que o torna semelhante ao Salvador; o sacerdote representa Cristo” (7). Portanto, o padre, sendo “outro Cristo”, é diferente dos outros baptizados.
Depois vieram questões “sociais”: dois padres são presos numa greve.

É, de novo, num dia 23.Set, mas agora de 1953, que o núncio Marella, por curiosa coincidência, familiar próximo de Ottaviani, manda, em nome do Papa, aos bispos franceses que acabem com os padres operários. De pouco valem as palavras do Liénart, bispo de Lille: “É uma catástrofe para a França e também para o mundo operário. Eu orgulho-me dos meus padres operários!”. Depois veio a caça “às bruxas”: grandes teólogos, como Chenu e Congar, foram afastados; superiores de ordens religiosas obrigados a mandar recolher todos os padres operários.
Só quando Paulo VI foi eleito, a Missão Operária voltará com formas mais atenuadas.

Agora que os Bispos nos pedem para, em caminhada sinodal repensarmos juntos a pastoral em Portugal, seria bom recordar que “Portugal é terra de missão” e que a evangelização hoje exige iniciativas arrojadas e que é necessário “correr certos riscos para que não nos arrependamos de não ter feito tudo pela salvação do mundo”.

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