divórcio ou casamento eterno?...

2012-04-04

Semana Santa 3

Ontem vimos como os discípulos colocaram os seus mantos sobre o jumento e nele entronizaram Jesus.
Estimulados pelos seus discípulos muitos dos Galileus que vinham com Jesus estenderam também as suas campas no caminho para Jesus entrar triunfalmente em Jerusalém. Eram muitos. Os evangelistas falam de uma “multidão”, de “multidões” ou mesmo de uma “grande multidão”. A palavra original “oklos (ὂχλος)” significa uma “multidão mais ou menos desorganizada”. Foram-se juntando e entusiasmaram-se com a atitude de Jesus e dos seus discípulos.
A multidão tem a sua psicologia muito própria. É de extremos. Facilmente passa de um a outro; basta uma pequena chispa e aí temos o “estoiro da boiada”. Contudo, esta multidão de galileus, que vivia num ambiente de opressão, fosse dos romanos, fosse dos proprietários fundiários, fosse das autoridades religiosas, tinha ainda mais aguda a convicção bíblica de que viria um Messias que os salvaria dos seus sofrimentos.
Claro que não percebiam que Jesus não vinha libertá-los pela força, nem liderar um movimento de revolta. Jesus queria “apenas” pregar o Reino de Deus e pedir a colaboração de todos para o instaurar. Neste momento, porém, Jesus deixou-os viver o seu momento de glória, a esperança de que iriam ser libertados.
Por isso eles, além das capas no chão, cortaram ramos de verdura que iam apanhando pelos campos por onde passaram. E cantavam e possivelmente bailavam. E aclamavam Jesus, segundo o Salmo 118. Marcos dispõe esta aclamação numa forma muito frequente e significativa da literatura bíblica (ou semita):
a) Hosanna
         b) Bendito seja o que vem em nome do Senhor
         b´) Bendito seja o reino do nosso pai David que está a chegar
a’) Hosanna nas alturas (Mc 11,9-10)

a) Hosanna
Originalmente seria uma prece de súplica: no sétimo dia da Festa dos Tabernáculos, os sacerdotes davam sete voltas ao altar repetindo a palavra Hosanna para pedir a chuva. Esta era a terceira das grandes festas herdadas não da fase nómada mas da sedentarização sob influência fenício-cananaica: a festa dos Ázimos, que marca o início da ceifa da cevada (Março-Abril); a festa da Ceifa, que regista o fim da ceifa algumas semanas mais tarde; a festa da Colheita, que assinala a apanha das uvas e das azeitonas. Mais tarde, estas festas adquiriram um sentido religioso: “Três vezes ao ano, farás uma festa em minha honra” (Ex 23,14). E as três festas tornaram-se a festa da Páscoa, celebrando a saída do Egipto, a das “semanas” ou Pentecostes e a das Tendas ou dos Tabernáculos, em memória da estadia no deserto. As tendas (sukkôt) eram as cabanas em que habitavam enquanto decorria a apanha das uvas e das oliveiras. Quando esta festa se transformou de uma festa de súplica numa festa de alegria, a palavra Hosanna ganhou nova ressonância, mas mantendo a súplica: “O Senhor salva-nos. O Senhor dá-nos a vitória” (Sl 118,25). É este o significado etimológico de Hosanna: “pedir, rezar (pelas chuvas, concretamente) e salvar”.
De qualquer maneira só o contexto pode indicar do que queremos ser salvos, pois pode entender-se no domínio político, social e religioso. É bem possível que os galileus que vinham com Jesus pedissem o fim da opressão e a libertação dos romanos.

b) Bendito o que vem em nome do Senhor
Inicialmente pertencia à liturgia de Israel destinada aos peregrinos e servia para lhes dar as boas vindas à entrada do Templo.
Aqui são os peregrinos que saúdam o que vem em nome do Senhor, Jesus, que entra na cidade santa para realizar a sua obra messiânica.
Assim de uma bênção para os peregrinos, a expressão transforma-se no louvor a Jesus, Àquele que vem em nome do Senhor.

b´)   Bendito o Reino do nosso Pai David que está a chegar
Esta segunda bênção apresenta já Jesus como o portador do reino de David. Só Marcos refere David, enquanto Lucas omite tanto o Hosana como a referência a David substituindo-as por uma alusão ao Natal: “Paz no Céu e glória nas alturas” (Lc 19, 38; Cf. 2,14).
Seja como for, Jesus aparece como o portador do Reino de David que aquela multidão esperava.

a’) Hosanna nas alturas
O primeiro Hosanna referia-se a esta terra. Este segundo eleva-nos para o plano divino. Isto não significa que devamos esquecer a salvação terrena, mas que ela deve estar ligada intimamente com a salvação e a plenitude de Deus (“alturas”): “Assim na terra como no céu” pedimos no Pai-Nosso.

Os habitantes de Jerusalém
Quem aclama Jesus são os peregrinos que vêm com ele. A cidade está indiferente. É como se estivesse deserta de sacerdotes e escribas e nem sequer os soldados incomodaram. Aliás ninguém temia um rei que vinha montado num simples burro, desarmado e acompanhado por camponeses incapazes de tácticas guerreiras.
Mas o relato de Mateus dá uma perspectiva interessante.
Depois da citação do Sl 118 semelhante à de Marcos, continua dizendo que “toda a cidade ficou perturbada e todos diziam: ‘Quem é este?’ – perguntavam. E a multidão respondia: ‘É Jesus, o profeta da Nazaré, da Galileia’” (Mt 21,10-11).
Estabelece, assim, um paralelismo com o episódio dos Reis magos. Também na altura, ninguém sabia nada de um suposto rei dos judeus que teria então nascido e também toda a Jerusalém ficou “perturbada” (Mt 2,3).
Portanto, daqui podemos concluir que as pessoas que aclamaram Jesus, à entrada da cidade, não serão as mesmas que daí a dias pedirão a sua crucifixão. Os Galileus, que vinham com Jesus, colocavam nele toda a sua esperança de salvação. Os habitantes de Jerusalém, temendo a perda do seu estatuto social e acirrados pelos sacerdotes queriam desfazer-se desse “revolucionário” o mais depressa possível.
A segunda referência de Mateus é às crianças que gritam “Hosanna ao Filho de David”. Esta atitude indigna os sacerdotes e doutores da lei que perguntam a Jesus se não os ouve e se acha bem: “Sim. (Mas) nunca lestes? Da boca dos pequeninos e das crianças de peito fizeste sair o louvor perfeito?” (Mt 21,15.17). Esta citação do Salmo 8,3 retoma um tema muito querido a Jesus: não só se identifica com as crianças (“Quem receber um destes meninos em meu nome é a Mim que recebe”: Mc 9,33-37), como faz delas o modelo para entrar no Reino dos céus (“Quem não receber o Reino de Deus como um pequenino não entrará nele”: Mc 10, 15).
Estes pequeninos irão evoluindo não só para dscípulos como para todos os que estão em necessidade e que se tornam o próprio Jesus (Mt 25, 40.45).

Hosanna na Liturgia
Acabo citando o documento mais antigo dos escritos cristãos não canónicos, sendo até anterior a alguns dos livros do NT, pois está datado entre os anos 50 e 100: a Didaké, cujo título completo é Ensinamentos (Didaké) do Senhor às nações pagãs por meio dos Doze Apóstolos. Nele aparece a palavra Hosanna. Trata-se de um esboço de manual de direito canónico e de catequese, dividido em 16 capítulos, o último dos quais sobre a última vinda de Cristo, que podem agrupar-se em torno de três temas:
- Doutrina dos dois caminhos (1-6), onde se faz um elenco dos mandamentos do Senhor que conduzem pelo caminho da vida e dos vícios e pecados que levam à morte; aqui aparece a mais antiga condenação do aborto.
- Instruções litúrgicas (7-15), onde recomenda a confissão dos pecados, a oração e o jejum e descreve os ritos e orações constantes da celebração:
- do baptismo, que parece ser normalmente por imersão na água dos rios (“em água viva” = águas correntes), embora se admita a infusão de água três vezes na cabeça;
- da eucaristia, com as orações eucarísticas e da qual ninguém se pode aproximar sem a reconciliação com todos os irmãos;
- da confissão dos pecados antes de qualquer tipo de oração: “na reunião dos fiéis, confessarás os teus pecados e não te acercarás da oração com má consciência”.
- Conselhos práticos e normas disciplinares, onde desenvolve uma moral individual, apresenta, como princípios da caridade e assistência social, a esmola e a partilha de bens, descreve os deveres para com a comunidade cristã, a família, a organização da comunidade, a eleição dos bispos, e regula a assistência aos peregrinos.
Na parte litúrgica associa duas palavras muito famosas: Hosanna e Maranathá:
“Venha a graça e passe este mundo. Hosanna ao Deus de David. O que é santo que se aproxime. O que não é, que se converta (metavoeítô: μετανοείτω). Maranathá. Amén” (X,6).

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