divórcio ou casamento eterno?...

2012-05-10

Carta a Nuno Crato


Tive bastante esperança no nosso ministro da educação, acreditando que iria lutar pela melhoria científico-cultural de todos, ricos e pobres. Acontece que o seu ministério se vai servindo de qualquer ineficiência da Segurança Social ou de outros serviços para cortar bolsas de estudo a tantos bons alunos que ficam assim impossibilitados de fazer render os seus talentos e tornar o nosso país mais rico.
Recordo aqui algumas perguntas que já fiz numa das minhas crónicas. O que conta a pessoa perante esta máquina burocrática ao serviço do “corte cego”, verdadeira “estrutura de pecado” (SRS 36)? Quantos jovens talentos estamos a triturar por chinesices? Terão de emigrar, deixando-nos culturalmente ainda mais pobres? A educação (bem como a saúde) não pode estar sujeita aos interesses da economia: tem de estar para lá disso. É a educação que forma os futuros líderes, que os torna capazes de pensar e de não ir na onda. Precisamos, pois, de preparar os jovens para a sã cidadania, a criatividade, o risco, o espírito crítico, o empreendedorismo, e de lhes ensinar que a pessoa vale pelo que é e não pelo que tem; torná-los gente com “cultura” (que olha a vida com esperança e alegria na convicção de que o futuro depende do esforço empenhado e sério de todos) e não gente amorfa e expectante. Queremos cidadãos ou cassetes de repetição? Para o são desenvolvimento de um país é urgente uma educação para a competência, a qualidade e a cidadania, isto é, ditada por valores estruturantes, e não uma educação “economês”, isto é, programada para satisfazer os interesses financeiros.
O que me choca no ministro é que ele, que tanta divulgação fez (e bem) deste pilar básico de qualquer sociedade, não tenha ao menos a coerência de se demitir se não sabe ou não pode fazer nada por aquilo em que acredita(va), aceitando placidamente que a pessoa seja amesquinhada pelos cortes orçamentais.
 Vou aqui deixar-lhe uma “história verdadeira”. Sei que ele não conhece, pelo que é pena que não possa ler o episódio que se segue, porque se continua com a sua política tão pouco clara pode estar a fomentar uma formação de directores como estes de que se fala a seguir.
  
Em Março de 2009, a Junta General de Socios de ELKARGI, organizou o XX Encontro Empresarial, sob o tema “¡Saldremos de la crisis! Cómo y Quándo”.
A última intervenção, a cargo de Pedro Miguel Echenique, Catedrático de Física de Materia Condensada, Científico y Presidente de la Fundación Donostia International Physics Center, teve como título “Nuestro futuro: educación, ciencia,creatividad e innovación”. Não vou resumir esta excelente lição mas chamar a atenção do ministro Nuno Crato, que, como catedrático, tem especiais responsabilidades na maneira como deve encarar-se o Ensino. A dado passo, o orador contou o que não foi uma anedota, mas um facto real.

“Michel Camdessus não se recordará, mas numa reunião da ComissãoTrilateral estivemos com um Presidente de uma grande companhia inglesa, que tinha um bilhete para ir a ouvir a Sinfonia Inacabada de Schubert e como não podia ir, ofereceu o bilhete ao seu Director de Pessoal. No dia seguinte, ao encontrar-se com ele na empresa, perguntou-lhe “que tal o concerto?”. O Director de Pessoal respondeu-lhe: “Tem o meu Relatório, na sua secretária”. Isto deixou surpreendido o Presidente da companhia que ao entrar no seu escritório se encontrou com o seguinte “Relatório sobre a assistência ao concerto de 20 de novembro do ano 2008. Peça número 3, Sinfonia Inacabada de Schubert”:

“Durante consideráveis períodos de tempo, os quatro oboés não tiveram nada que fazer, pelo que se deveria reduzir o seu número e o seu trabalho deveria ser distribuído por toda la orquestra, eliminando assim os picos de actividade.
Os 12 violinos estiveram a tocar as mesmas notas, pelo que a partitura desta secção deveria ser drasticamente reduzida. Se realmente se requer maior volume de som, isto pode obter-se mediante um amplificador electrónico.
Gastou-se muito esforço a tocar as semicolcheias, o que parece um excessivo refinamento pelo que se recomenda que todas as notas passem para a colcheia mais próxima. Se se procedesse assim, seria possível empregar pessoal de menor formação.
Não serviu para nada a repetição pelas trompas de passagens que já tinham sido tratadas pela secção de cordas. Se estas passagens redundantes fossem eliminadas, o concerto poderia reduzir-se de duas horas para 20 minutos.
E finalmente, assinalar que, se Schubert tivesse tido em conta estes aspectos, certamente teria acabado a sua sinfonia”.

Deixo-lhe este exemplo real para lhe lembrar o que tem a obrigação de saber dada a sua qualificação: Que formação está a ser dada aos jovens? E em que condições? Estamos a formar seres humanos vazios que querem consumir e ter coisas e que acabam por se vestir e falar todos da mesma forma e pensar as mesmas coisas ou a preparar cidadãos, capazes de criatividade, solidariedade e inovação. A capacidade de inovação é um elemento decisivo na construção de uma sociedade com futuro e capacidade de responder aos futuros desafios. Mas a inovação não é apenas investigação e desenvolvimento. “É uma atitude: estar aberto a formas diferentes de fazer as coisas, de fazer produtos, de estabelecer relações, de despertar la imaginação, tudo isto se concretiza e se resume numa palavra, cultura. Criar una sociedade inovadora exige estar aberto (e preparado) ao erro e ao fracasso, a riscos incertos e não apenas a riscos quantificáveis”.

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