Carta a Nuno Crato
Tive
bastante esperança no nosso ministro da educação, acreditando que iria lutar pela melhoria científico-cultural
de todos, ricos e pobres. Acontece que o seu ministério se vai servindo de
qualquer ineficiência da Segurança Social ou de outros serviços para cortar
bolsas de estudo a tantos bons alunos que ficam assim impossibilitados de fazer
render os seus talentos e tornar o nosso país mais rico.
Recordo aqui algumas perguntas que já fiz numa das minhas
crónicas. O que conta a pessoa perante esta máquina burocrática ao serviço do
“corte cego”, verdadeira “estrutura de pecado” (SRS 36)? Quantos jovens
talentos estamos a triturar por chinesices? Terão de emigrar, deixando-nos culturalmente
ainda mais pobres? A educação (bem como a saúde) não pode estar sujeita aos
interesses da economia: tem de estar para lá disso. É a educação que forma os
futuros líderes, que os torna capazes de pensar e de não ir na onda. Precisamos,
pois, de preparar os jovens para a sã cidadania, a criatividade, o risco, o
espírito crítico, o empreendedorismo, e de lhes ensinar que a pessoa vale pelo
que é e não pelo que tem; torná-los gente com “cultura” (que olha a vida com
esperança e alegria na convicção de que o futuro depende do esforço empenhado e
sério de todos) e não gente amorfa e expectante. Queremos cidadãos ou cassetes
de repetição? Para o são desenvolvimento de um país é urgente uma educação para
a competência, a qualidade e a cidadania, isto é, ditada por valores
estruturantes, e não uma educação “economês”, isto é, programada para satisfazer
os interesses financeiros.
O
que me choca no ministro é que ele, que tanta divulgação fez (e bem) deste
pilar básico de qualquer sociedade, não tenha ao menos a coerência de se
demitir se não sabe ou não pode fazer nada por aquilo em que acredita(va),
aceitando placidamente que a pessoa seja amesquinhada pelos cortes orçamentais.
Vou
aqui deixar-lhe uma “história verdadeira”. Sei que ele não conhece, pelo que é
pena que não possa ler o episódio que se segue, porque se continua com a sua
política tão pouco clara pode estar a fomentar uma formação de directores como
estes de que se fala a seguir.
Em Março de
2009, a Junta General de Socios de
ELKARGI, organizou o XX Encontro Empresarial, sob o tema “¡Saldremos de la
crisis! Cómo y Quándo”.
A última intervenção, a cargo de Pedro Miguel
Echenique, Catedrático de Física de Materia Condensada, Científico y Presidente de la Fundación
Donostia International Physics Center, teve como título “Nuestro futuro: educación, ciencia,creatividad e
innovación”. Não vou resumir esta excelente lição mas chamar a atenção
do ministro Nuno Crato, que, como catedrático, tem especiais responsabilidades
na maneira como deve encarar-se o Ensino. A dado passo, o orador contou o que
não foi uma anedota, mas um facto real.
“Michel Camdessus não se recordará, mas numa reunião
da ComissãoTrilateral estivemos com um Presidente de uma grande companhia
inglesa, que tinha um bilhete para ir a ouvir a
Sinfonia Inacabada de Schubert e como não podia ir, ofereceu o bilhete ao seu Director
de Pessoal. No dia seguinte, ao encontrar-se com ele na empresa, perguntou-lhe “que tal o concerto?”. O Director de
Pessoal respondeu-lhe: “Tem o meu
Relatório, na sua secretária”. Isto deixou surpreendido o Presidente da companhia
que ao entrar no seu escritório se encontrou com o seguinte “Relatório sobre a assistência ao concerto
de 20 de novembro do ano 2008. Peça número 3, Sinfonia Inacabada de Schubert”:
“Durante consideráveis períodos de tempo, os quatro oboés não tiveram
nada que fazer, pelo que se deveria reduzir o seu número e o seu trabalho deveria
ser distribuído por toda la orquestra, eliminando assim os picos de actividade.
Os 12 violinos estiveram a tocar as mesmas notas, pelo que a
partitura desta secção deveria ser drasticamente reduzida. Se realmente se
requer maior volume de som, isto pode obter-se mediante um amplificador electrónico.
Gastou-se muito esforço a tocar as semicolcheias, o que parece um
excessivo refinamento pelo que se recomenda que todas as notas passem para a
colcheia mais próxima. Se se procedesse assim, seria possível empregar pessoal
de menor formação.
Não serviu para nada a repetição pelas trompas de passagens que já
tinham sido tratadas pela secção de cordas. Se estas passagens redundantes fossem
eliminadas, o concerto poderia reduzir-se de duas horas para 20 minutos.
E finalmente, assinalar que, se Schubert tivesse tido em conta
estes aspectos, certamente teria acabado a sua sinfonia”.
Deixo-lhe este exemplo real para lhe lembrar o que
tem a obrigação de saber dada a sua qualificação: Que formação está a ser dada
aos jovens? E em que condições? Estamos a formar seres humanos vazios que
querem consumir e ter coisas e que acabam por se vestir e falar todos da mesma
forma e pensar as mesmas coisas ou a preparar cidadãos, capazes de
criatividade, solidariedade e inovação. A capacidade de inovação é um elemento decisivo na
construção de uma sociedade com futuro e capacidade de responder aos futuros
desafios. Mas a inovação não é apenas investigação e desenvolvimento. “É uma atitude: estar aberto a formas
diferentes de fazer as coisas, de fazer produtos, de estabelecer relações, de
despertar la imaginação, tudo isto se concretiza e se resume numa palavra,
cultura. Criar una sociedade inovadora exige estar aberto (e preparado) ao erro
e ao fracasso, a riscos incertos e não apenas a riscos quantificáveis”.
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