divórcio ou casamento eterno?...

2013-05-13

Parábola do Filho Pródigo



Um texto que me marcou muito na minha procura de Deus foi esta parábola narrada unicamente por S. Lucas (Lc 15,11-32). É um poema lindíssimo que certamente faz parte da literatura universal. É uma descrição perpassada de ternura e de misericórdia. Deixa uma ideia indelével da bondade do Pai que nos dá uma imagem de Deus-Pai, Deus-Amor.
Foi um texto que li e reli muitas vezes. Numa altura em que quase tudo o que tocássemos se convertia em pecado, onde havia muito pouco espaço para a alegria e para a felicidade, ler esta parábola era para mim um oásis refrescante, um canto onde ninguém me podia impedir de ser feliz e chorar de alegria, a alegria de quem se sentia perdoado por Deus, apesar das palavras dos homens.
São três os personagens da parábola e todos bem caracterizados.

O Pai
Primeiro temos o Pai. O seu comportamento é fora do habitual. Dá ao filho a parte que pertence, vê-o partir, espera-o pacientemente, todos os dias, sempre com esperança de o ver surgir: um dia após outro, de manhã e à tarde, lá ia ele para o terraço espreitar a linha do horizonte.
Claro que este Pai não serve de modelo para ninguém, porque é demasiado bom. Nenhum de nós está em condições de imitar Deus. Deus é um desafio, não é um modelo que eu possa imitar. Deus não é homem: Deus está para lá de todas as imitações. Mas Deus é um refúgio onde todos podemos encontrar misericórdia e amor, sem condições. Note-se que este Pai não quer saber nada dos pecados do filho. Não quis saber nada do que foi a sua vida, como a passou, o que fez aos bens que levara, por que vem todo esfarrapado e cheio de fome. Nada disto interessa ao nosso Deus. Ele quer é que convertamos o nosso coração, mesmo que seja pouco a pouco.
E basta que tenhamos um pequeno gesto de conversão, Deus tudo esquece. Era esta “injustiça” que irritou Jonas e que Jonas não podia aceitar: “Ah! Senhor! Porventura não era isto que eu dizia quando ainda estava na minha terra? Por isso é que, precavendo-me, quis fugir para Társis, porque sabia que és um Deus misericordioso e clemente, paciente, cheio de bondade e pronto a renunciar aos castigos” (Jon 4,2). Jonas não aceitava que Deus perdoasse aos nenevitas só porque eles fizeram penitência e disseram que se arrependeram dos pecados. Deus não poder assim tão “mole” nem deixar-se convencer por um gesto tão pequeno. Jonas está aqui a funcionar como o filho mais velho. Mas o nosso Deus é mesmo assim: ontologicamente misericordioso e clemente.
O que acho um pouco estranho na parábola é que esta família não tem mãe nem a sua existência é pressuposta. Alguns dos gestos do Pai parecem mais gestos de mãe: cheio de compaixão, corre e lança-se ao pescoço, cobrindo-o de beijos. Isto leva-me a pensar que este Deus é pai e mãe ao mesmo tempo. ATENÇÃO: Eu não sou exegeta, apenas estou a partilhar o que a Palavra de Deus me interpela. Dito isto, parece-me ver nesta definição de Deus as facetas: masculina e feminina. Deus é Pai e Mãe ao mesmo tempo.


O Pai recebe o filho

Filho mais novo
Nas primeiras leituras identificava-me com o filho mais novo. Por força do clima da época, era, sentia-me ou faziam-me sentir tão pecador que só podia assemelhar-me ao filho pródigo. A minha consciência carregava um peso enorme de culpa. Como já referi, tudo ou quase tudo era pecado sobretudo qualquer coisa que nos desse alegria e prazer. Sei que o inferno pairava sobre nós como uma espada de Dâmocles. Deus foi transformado num verdadeiro big brother que tudo via, tudo escutava e estava em todo o lado a controlar cada gesto nosso. Suponho agora que tudo isto será exagerado, mas quando olha para trás estas são as memórias que me ficaram. Assim sendo só podia identificar-me com o filho mais novo. Este sentimento de culpa foi das coisas que mais me marcaram pela negativa. Era ameaçador. Por isso, este Pai veio pouco a pouco libertar-me desse complexo de culpa; mas demorou muito tempo. E não sei se já me libertei de todo. Aliás lembro-me bem de alguns colegas me dizerem que deixaram de ser católicos por causa desse asfixiante complexo de culpa. A rapaziada nova não faz a mais pequena ideia do quanto isto era dramático.


O filho mais novo no meio de porcos e prostitutas
      
Filho mais velho
Pouco a pouco fui-me libertando desse sentimento de culpa, mas muito lentamente. De qualquer modo, penso que alguma coisa mudara dentro de mim quando comecei a focar a atenção no filho mais velho. Olhando para trás, acho que houve aí alguma libertação interior, mas não foi nada que acontecesse de uma dia para o outro. Foi acontecendo.
Percebi que afinal me comportava muito mais como o filho mais velho. Primeiro porque olhava para mim e não tinha pecado tanto como o filho mais novo. Não era suficientemente “mau” para me parecer com ele. Fui descobrindo que no meio de tantos pecados (um dos pecados que nunca falhava nas confissões da época era não ter rezado as três Avé-Marias ao deitar: como se vê gravíssimo!) afinal não era assim tão mau. Portanto, não podia olhar o filho pródigo como modelo, tal era a desproporção que eu via entre o meu comportamento e o do filho pródigo. Assim “virei-me” para o mais velho.
Eu portava-me muito mais como filho mais velho: a inveja dos outros, a intolerância disfarçada, a falta de solidariedade. Estas realmente eram faltas que eu também demorei algum tempo a descobrir. Talvez aqui tivesse influenciado alguma coisa a nova fórmula da “Confissão”: “confesso… porque pequei muitas vezes por pensamentos, palavras, actos e omissões”. Omissões! Demorei algum tempo a perceber, mas uma vez percebida foi uma espécie de “revolução pecaminosa”. Os pecados de omissão eram tantos ou mais do que os outros todos juntos até porque também percebi que os pecados de omissão não eram uma quarta situação, mas uma atitude em que se podia também cair por pensamentos, palavras e actos.
Portanto, esta segunda fase era uma etapa na libertação interior das grilhetas do pecado. Havia que estar atento aos verdadeiros pecados.
Mas veio uma outra fase: sentir-me como filho mais velho. Não era só comportar-me como ele, mas ser como ele. Não é a mesma coisa, mesmo que as consequências sejam as mesmas.
Eu afinal não desobedecia muito aos superiores (era outro pecado habitual: desobedecer aos meus superiores). Até talvez obedecesse demais ou no que não era o mais importante. Portanto era obediente, parecia incapaz de partir um prato. Mas, como o filho mais velho, nunca faria a malandrice de roubar um cabrito ao pai para celebrar com os amigos. Eu até acho que, como ele, eu era demasiado bem comportadinho. Passe o exagero. Vou partilhar um episódio para que se entenda isto melhor. Irão dizer que sou maluco, mas foi o que aconteceu. Uma noite de confidências estava eu com um jovem amigo já com uns copos (o amigo!), quando ele depois de algumas confissões se virou para mim e me pediu que lhe contasse uma das minhas noitadas de farra, com copos a mais ou droga à mistura, etc.. Pois querem crer que, como realmente nunca passara por isso, fiquei de boca aberta sem saber o que dizer. E até tive alguma vergonha de nunca me ter embriagado para poder contar ao jovem (esta frase é para ignorar) pois sentia que ele não ia acreditar se eu lhe dissesse que nunca tivera uma noitada dessas. E assim poderia até perder a confiança dele, porque ele poderia pensar que eu não podia estar a falar verdade pois era impensável que um jovem nunca tenha tido uma noitada dessas!
Mas forte é frase bíblica: “Por que não és frio nem quente, mas morno, vomito-te da minha boca” (Ap 3,16). Afinal, como o filho mais velho, não era “mau”, sempre “bem-educado”; mas também não era “bom”, pois nem sempre o meu bom comportamento era feito por amor, mas antes por medo, porque parecia mal, porque os pais ficariam tristes, etc. Era um bom de circunstâncias e não era mau a sério. Nem quente nem frio.
Não fazemos mal a ninguém, mas também não fazemos o bem. Cumprimos o estritamente necessário. “Há já tantos anos que te sirvo sem nunca transgredir uma ordem tua e nunca me deste um cabrito para fazer uma festa com os meus amigos: e agora, ao chegar esse teu filho (nem sequer diz “o meu irmão”; ou será que o deixou de o considerar irmão?), que gastou os seus bens com meretrizes, mataste-lhe o vitelo gordo” (Lc 15,29-30).
Ressabiado. Invejoso. Claro que ele, sim, era um verdadeiro filho pois nunca trouxera problemas aos pais.
Mas nunca fora quente nem frio; apenas morno.
Não mudara nada. Deixara tudo como dantes. E assim não contribuíra para um mundo melhor

(Não encontrei uma imagem com o filho mais velho: por que será? Devo ter procurado mal.)

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