Gesto Profético
Inesperadamente,
Bento XVI renuncia ao “ministério de bispo de Roma”. Num breve texto explica as
razões desta sua decisão: a sua idade avançada tira-lhe as forças necessárias,
para acompanhar as rápidas mudanças do mundo. Para exercer este cargo “é necessário o
vigor quer do corpo quer do espírito”.
Esta decisão
é um gesto profético, a vários títulos.
É um
exercício de humildade pessoal: “sou
um papa velho sem forças”. Admitir que se é fraco e incapaz de continuar a
desenvolver a nossa tarefa é uma ideia que a sociedade moderna não aceita: o
homem é sempre capaz, mesmo quando já não tem condições . Por isso, talvez,
tenhamos tanta falta de líderes, de pessoas que admitem as suas limitações e
que procuram, apesar delas e consciente delas, contribuir para uma sociedade
mais humana.
É um acto de
coragem: associar a fraqueza física
à pessoa do papa não era habitual. O papa sempre apareceu ou era apontado como
uma espécie de “super-homem”. Para fazer, pois, tal afirmação era preciso também
muita coragem, pois ela vem desmitificar a pessoa e a função do papa. João
Paulo II já fizera este caminho, mas deixara ainda a “obrigação” de o
homem-papa ir até ao fim da sua vida, qualquer que ela fosse. Várias vezes,
João Paulo II tentara renunciar, mas fora sempre impedido ou demovido pela
pressão da Cúria romana. Para evitar esta pressão inaceitável, humana e evangelicamente num organismo da Igreja católica, Bento XVI decidiu sozinho e sem informar
ninguém: “bem consciente da gravidade deste acto, com plena liberdade, declaro
que renuncio”.
É um gesto maduramente preparado. Agora, olhando
para trás, é possível detectar alguns sinais de que Bento XVI estaria a preparar
esta renúncia. Refiro-me às duas visitas que fez ao túmulo do Papa Celestino,
na cidade de Áquila. Celestino era um eremita que vivia numa das “cavernas”
desta cidade, quando morreu o papa Nicolau IV. O conclave, que devia eleger o
seu sucessor, prolongou-se por cerca de dois anos, devido às rivalidades das
quatro facções em confronto. Finalmente foi eleito, em 1294, Angelari de
Morrone, um homem santo e alheio às “jogadas” deste mundo. Mas rapidamente se apercebeu de que estava a ser manipulado e que a cúria romana era um “vespeiro”.
Assim ao fim de cinco meses renunciou. Dante foi muito crítico desta renúncia e
colocou-o no círculo dos débeis e pusilânimes no Inferno: “Depois de haver
alguns reconhido / vi a sombra daquele / que fez, por cobardia, grande renúncia”
(Divina Comédia, Inferno, canto III, 58-60), porque ao renunciar permitiu a
eleição de Bonifácio VIII, que, para Dante, foi a causa de todos os males de Florença
e dele próprio.
É também um gesto
histórico. Há 600 anos que
acontecera a última renúncia papal. Pode pois dizer-se que a renúncia papal era
quase impossível. Mas Bento XVI assumiu-a, tornou não só o papa humano, mas
também a sua função, o papado, como uma instituição que não é absoluta mas está
ao serviço do bem da Igreja e da humanidade. A partir de agora, o caminho da renúncia
está aberto a qualquer outro papa que se sinta incapaz. Mais até pode acontecer
que esta se torne uma norma habitual. Paulo VI estipulara os 75 anos para os bispos
mas deixara, como excepção, o bispo de Roma.
Quando João
Paulo I morreu, o cardeal König deixara já o aviso. Governar uma instituição
como a Igreja católica, com o seu milhar de milhões de fiéis, que habita nas
mais variadas condições culturais e sociais, era uma tarefa humanamente quase
impossível, pelo que era necessário estudar seriamente o assunto. Mas a cúria
romana achava isso uma falta grave na estabilidade da Igreja (melhor, da sua
estabilidade).
Esta
renúncia papal deve também ter a ver com a impossibilidade que Bento XVI sentiu
de reformar a cúria onde os jogos do poder se tornam mais dolorosos perante os múltiplos escândalos a que a Igreja foi exposta: pedofilia,
publicitação de documentos secretos, o possível cisma dos Lefebrianos.
Uma das questões de fundo é, pois, será reformável a cúria romana? Se não, adianta alguma coisa fazer um novo concílio enquanto aquela estrutura de poder subsistir como subsiste?
Uma das questões de fundo é, pois, será reformável a cúria romana? Se não, adianta alguma coisa fazer um novo concílio enquanto aquela estrutura de poder subsistir como subsiste?
1 Comentários:
O Zé tem sempre as ideias tão claras e arrumadinhas que é um prazer lê-lo.
Obrigada por partilhar connosco.
Um abraço.
CG
17/2/13 14:01
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