divórcio ou casamento eterno?...

2013-05-24

Trabalho


Interrompo a reflexão sobre os textos bíblicos que mais me marcaram para partilhar um artigo sobre o trabalho, dado o bom acolhimento que teve entre vários amigos.

O TRABALHO UM BEM A PARTILHAR

Não seria necessário esperar pelo mês de Maio, para que o trabalho fosse um tema irrenunciável. Na verdade, vivemos um tempo cujo principal drama é o desemprego. Impõe-se um debate sério sobre o trabalho, pois o modo como ele é entendido influencia a legislação laboral e a tomada de consciência da obrigatoriedade de atacar este problema dados os seus reflexos na vida pessoal – do sentido da inutilidade até à própria exclusão social –, familiar e social – das tensões sociais ao empobrecimento nacional. É indispensável que dadores de trabalho e trabalhadores, a sociedade, todos os cidadãos, aprofundem este tema de modo criativo, porque “em muitos casos, os pobres são o resultado da violação da dignidade do trabalho humano, seja porque as suas possibilidades são limitadas (desemprego, subemprego), seja porque são desvalorizados «os direitos que dele brotam, especialmente o direito ao justo salário, à segurança da pessoa do trabalhador e da sua família»” (Bento XVI, Caritas in Veritate, 63).
Efectivamente, de acordo com a doutrina social da Igreja, o trabalho é o meio pelo qual cada pessoa se pode realizar. É pelo trabalho que cada um se pode sustentar a si e à sua família. A própria vida familiar depende do trabalho, pois este “constitui o fundamento sobre o qual se edifica a vida familiar, direito fundamental e vocação do homem” (João Paulo II, Laborem Exercens (LE), 10). O trabalho assegura também o desenvolvimento da sociedade, promovendo a solidariedade entre as pessoas – colegas trabalhadores e cidadãos consumidores – e respondendo às necessidades pessoais e da humanidade. É um instrumento para realizar o adequado “domínio” sobre a natureza, sem o qual não há progresso nem desenvolvimento. Mas sobretudo, o trabalho é o meio mais adequado para que cada um possa ter a sua parte dos bens da terra que existem para a utilização de todos: enquanto a esmola é um gesto, muitas vezes degradante, e os subsídios são transitórios, o trabalho é o meio mais nobre e dignificante para ter acesso a estes bens, pois, pelo trabalho, cada um dá o seu contributo para os aumentar e recebe, através de um salário justo, a parte a que tem direito.
Por tudo isto há uma hierarquia de valores: o primado do homem sobre o trabalho – a pessoa deve estar sempre no centro de toda actividade incluindo a actividade laboral: “Antes de mais nada, o trabalho é ‘para o homem’ e não o homem ‘para o trabalho’”. Daí que seja a pessoa quem dá dignidade a todos os tipos de trabalho e não vice-versa. Daí que “a finalidade de todo e qualquer trabalho realizado pelo homem permanece sempre o próprio homem” (LE 6) – e o primado do trabalho sobre o capital: “Esse instrumento gigantesco e poderoso, que é o conjunto dos meios de produção, considerados como sinónimo do capital, nasceu do trabalho e é portador dos vestígios de trabalho humano” (LE 12). Por isso o trabalho é cronológica e ontologicamente anterior ao capital.
É exactamente o contrário daquilo a que assistimos nas sociedades modernas. Mas tirar a pessoa do centro para lá colocar o capital é recusar a centralidade da pessoa, é recusar o pilar estruturante de uma sociedade ou de um sistema justo, solidário e humano. Hoje, há pessoas que são obrigadas a trabalhar estupidamente sem tempo para mais nada, enquanto outras, cada vez mais, não têm trabalho, vivendo a angústia da inutilidade e da falta de auto-estima. Não será possível, dado o enorme aumento de produtividade – trinta vezes desde a Revolução Industrial – fazer uma redistribuição solidária do trabalho de modo a diminuir drasticamente o desemprego? Atrevia-me a recordar aqui a velha proposta “a meio tempo” do sociólogo G. Aznar, que implicava: 1) dispor de duas pessoas, no mesmo posto de trabalho, por cada dia completo; 2) ter dois tempos para a mesma pessoa: um, consagrado a um tipo de actividade, na esfera profissional; outro, “um tempo para amar”, consagrado a outras actividades, na esfera individual ou social, como cuidar dos filhos, actualizar conhecimentos, cumprir um “serviço cívico” que seria extensível a todos, etc.. Os custos desta proposta deviam ser repartidos pela empresa, remunerando o trabalho realizado, e pelo Estado, através de compensações fiscais ou afins às empresas que adiram, mas também repondo um salário digno ao trabalhador. Bem sei que isto é utópico, que exige uma profunda mudança de mentalidades, da organização social e do próprio conceito de trabalho. Por exemplo, é altura de ultrapassar ideias como a de que o homem é trabalhador porque trabalha numa fábrica e a mulher não é trabalhadora, porque “apenas” se dedica a cuidar dos filhos e da gestão da casa.
Se o próximo paradigma de organização social e sua fundamentação não tiver nada de utópico é porque não passámos além do que temos, embora com outras roupagens. 

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