divórcio ou casamento eterno?...

2010-01-18

CinV (85) Empresa, Alguns riscos (40)

Devo dizer que comecei a ler este nº da encíclica com especial expectativa. É que este té um dos temas menos bem tratados na DSI, sobretudo considerando, por uma lado, a empresa “deslocalizada”, isto é, que tem os seus componentes distribuídos por várias regiões ou países e, por outro, todas as mudanças profundas introduzidas pela globalização. É urgente, pois, que a Igreja actualize a sua doutrina sobre a empresa. Aliás, Bento XVI é o primeiro a reconhecê-lo: “As actuais dinâmicas económicas internacionais, caracterizadas por graves desvios e disfunções, requerem profundas mudanças inclusivamente no modo de conceber a empresa.” E esta reflexão não se limita a uma mera análise estatística ou uma leitura superficial da realidade: “Antigas modalidades da vida empresarial declinam, mas outras prometedoras se esboçam no horizonte”.

João Paulo II apresentava “a empresa como comunidade de homens que, de diverso modo, procuram a satisfação das suas necessidades fundamentais e constituem um grupo especial ao serviço de toda a sociedade. O lucro é um regulador da vida da empresa, mas não o único; a ele se deve associar a consideração de outros factores humanos e morais que, a longo prazo, são igualmente essenciais para a vida da empresa” (CA 35). E num discurso em Barcelona (1982) definiu a “concepção cristã” de empresa: “Ao convidar-vos a reflectir sobre a concepção cristã da empresa, quero ante de mais recordar-vos que, para lá dos seus aspectos técnicos e económicos, há um outro mais profundo: o da sua dimensão moral. Economia e técnica, com efeito, não têm sentido se não são referidas ao homem, a quem devem servir. De facto, o trabalho é para o homem e não o homem para o trabalho; por conseguinte, também a empresa é para o homem e não o homem para a empresa”.
Bastará olhar para as datas deste Discurso ou da encíclica Centesimus annus (1991) para ver que passaram duas décadas, décadas de transformações radicais no campo da economia e concretamente da empresa.

Bento XVI, na primeira parte deste número, enuncia uma série de factos novos, que chama “riscos”, nomeadamente:
1) Alguma potencial falta de transparência na prestação de contas, já que esta é feita “quase exclusivamente a quem nela investe, acabando assim por reduzir a sua valência social”;
2) A inexistência de um responsável estável pelo curto e longo prazo da empresa: “Devido ao seu crescimento de dimensão e à necessidade de capitais sempre maiores, são cada vez menos as empresas lideradas por um empresário estável que se sinta responsável, não apenas a curto mas a longo prazo da vida e dos resultados da sua empresa”;
3) A fragmentação dos vários componentes da empresa, já que “diminui o número das que dependem de um único território”;
4) A extraordinária mobilidade de capitais para o estrangeiro, porque
- por um lado, resulta do facto de “o mercado internacional dos capitais oferecer, hoje, uma grande liberdade de acção” e, portanto, ser difícil de regulamentar e de controlar;
- por outro, a preocupação pelas “exclusivas vantagens pessoais” podem causar sérios danos às nações que esses capitais deveriam beneficiar;
5) A preocupação quase exclusiva pelos accionistas:
- seja devido “à chamada deslocalização da actividade produtiva que pode atenuar no empresário o sentido da responsabilidade para com os interessados, como os trabalhadores, os fornecedores, os consumidores, o ambiente natural e a sociedade circundante mais ampla, em benefício dos accionistas, que não estão ligados a um espaço específico”;
- seja devida a uma nova classe de gestores: “Nos últimos anos, notou-se o crescimento duma classe cosmopolita de gerentes, que muitas vezes respondem só às indicações dos accionistas da empresa constituídos geralmente por fundos anónimos que estabelecem de facto as suas remunerações”;
6) A deslocalização, quando não respeita certas exigências: “Não é lícito deslocalizar somente para gozar de especiais condições de favor ou, pior ainda, para exploração, sem prestar uma verdadeira contribuição à sociedade local para o nascimento de um robusto sistema produtivo e social, factor imprescindível para um desenvolvimento estável”;
7) A especulação financeira, preocupada apenas com “o lucro a breve prazo“.

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