divórcio ou casamento eterno?...

2010-01-15

CinV (84) Mercado da gratuidade (nº 39)

Bento XVI, num discurso à Fundação Centesimus Annus (15.Jun.2009), começou por convidar os participantes a repensar os modelos económicos predominantes: “A crise financeira e económica que atingiu os países industrializados, os emergentes e os que estão em vias de desenvolvimento demonstra que há que repensar alguns paradigmas económico-financeiros dominantes nos últimos anos”. E terminou fazendo votos para que “elaborem uma visão da economia moderna respeitadora das necessidades e dos direitos dos frágeis”
Pelo meio lembrou a encíclica Centesimus annus, segundo a qual, a economia de mercado, entendida como “um sistema económico que reconhece o papel fundamental e positivo da empresa, do mercado, da propriedade privada e da consequente responsabilidade pelos meios de produção, da livre criatividade humana no setor da economia” (42), pode ser reconhecida como um caminho de progresso económico e civil apenas se estiver orientada para o bem comum (43). Esta visão, no entanto, deve estar acompanhada também por outra reflexão, segundo a qual a liberdade no sector da economia deve ser enquadrada “num sólido contexto jurídico que a coloque ao serviço da liberdade humana integral e a considere como uma particular dimensão desta liberdade cujo centro seja ético e religioso” (42). Porque “tal como a pessoa se realiza plenamente na livre doação de si própria, assim a propriedade se justifica moralmente na criação, em moldes e tempos devidos, de ocasiões de trabalho e crescimento humano para todos” (n. 43).
Nesta encíclica, Bento XVI vai mais longe ao acusar o “binómio exclusivo mercado-Estado”, que acontece sempre que “a lógica do mercado e a do Estado se põem de acordo entre si para continuar no monopólio dos respectivos âmbitos de influência”, de corroer gravemente a coesão social, porque
- "definha a solidariedade nas relações entre os cidadãos, a participação e a adesão, o serviço gratuito”;
- e proliferam outras realidades bem diferentes: as “do «dar para ter», próprio da lógica da transacção, e do «dar por dever», próprio da lógica dos comportamentos públicos impostos por lei do Estado”.
A solução para garantir a coesão social está “nas formas económicas solidárias, que encontram o seu melhor terreno na sociedade civil sem contudo se reduzirem a ela”. Embora, como referi atrás, o Papa não utilize a expressão “economia solidária”, não deixa de considerar as variadas “formas económicas solidárias” como um caminho indispensável para uma sociedade de rosto mais humano.

João Paulo II já falara do cidadão entalado entre o mercado e o Estado: “O indivíduo é hoje muitas vezes sufocado entre os dois pólos: o Estado e o mercado. Às vezes dá a impressão de que ele existe apenas como produtor e consumidor de mercadorias ou então como objecto da administração do Estado, esquecendo-se de que a convivência entre os homens não se reduz ao mercado nem ao Estado, já que a pessoa possui em si mesma um valor singular, ao qual devem servir o Estado e o mercado” (CA 49).
Bento XVI volta aqui à contraposição entre a lógica mercantilista e a lógica da gratuidade, mas com nova variante. Sem excluir o “dar para ter” da lógica da transacção e o “dar por dever”, imposta pela lei do Estado, numa refrência implícita ao Estado Social, privilegia a lógica da participação desinteressada, do dom e da gratuidade, reconhecendo, no entanto, a sua dificuldade de implementação: “O mercado da gratuidade não existe nem os comportamentos gratuitos podem ser estabelecidos por lei . Contudo, tanto o mercado como a política precisam de pessoas abertas ao dom recíproco”.

Só assim será possível vencer a batalha do subdesenvolvimento: “A vitória sobre o subdesenvolvimento exige que se actue não só sobre a melhoria das transacções fundadas sobre o intercâmbio, nem apenas sobre as transferências das estruturas assistenciais de natureza pública, mas sobretudo sobre a progressiva abertura, em contexto mundial, para formas de actividade económica caracterizadas por quotas de gratuidade e de comunhão".

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