divórcio ou casamento eterno?...

2006-01-23

Semana da Unidade

Os oito dias que vão de 18 a 25 de Janeiro são tradicionalmente dedicados à oração pela unidade dos cristãos.
Este acontecimento deveria revestir-se da maior importância como decorre das palavras de Jesus na última ceia: "que todos sejam um. Assim como tu, ó Pai, estás em mim e eu em ti, assim também eles sejam um em nós A FIM DE QUE O MUNDO CREIA QUE TU ME ENVIASTE" (Jo 17,21).
Contudo esta semana não passa habitualmente de um simples ritual que todos os anos se repete, mas que pouco mobiliza os crentes: dois tempos de oração e está o dever cumprido para todo o ano...
Contudo, parece-me que há uma unidade prévia à unidade dos cristãos e da qual pouco se fala: é a unidade dos católicos em torno de Jesus Cristo.
E aí algumas questões se colocam: será que é o mesmo Jesus Cristo que anima todos os católicos? Não há uma leitura redutora dos evangelhos que permite a cada um acreditar no seu Jesus? E se as leituras são diferentes os comportamentos não terão também de o ser? O que caracteriza os católicos? O que distingue os discípulos de Cristo?
Naturalmente que não defendo um regime de (neo-)cristanadade, onde todos fazem os mesmos gestos e têm as mesmas atitudes. Mas há um núcleo duro da mensagem de Jesus no qual todos teremos de estar de acordo e que deve servir de fundamentação e de critério ao nosso estilo de vida e ao nosso compromisso cristão, nos variados caminhos a que cada um é chamado a ser santo.
Para esta dificuldade em estarmos de acordo quanto a esse núcleo duro contribuem - e esta é uma proposta que faço para debate - algumas causas:
- a generalizada ignorância religiosa da sagrada escritura, do Concílio e da Doutrina Social da Igreja, o que coloca o problema da identidade;
- o hábito de viver o mais comodamente o nosso ser cristão sem grandes compromisos nem mudanças de vida com a consequente incoerência entre a fé que se proclama e a vida que se vive no dia a dia, o que coloca o problema da autenticidade;
- o problema da linguagem, que nem sempre é compreensível e, poratnto, credível, o que coloca o problema da credibilidade;
- o pluralismo, que sendo indispensável nas vivências do dia a dia, deve assentar no seguimento do próprio Jesus Cristo; o que coloca o problema da unidade.
Estarei correcto nesta análise? Há outras causas que tanto perturbam um credível testemunho dos cristãos no mundo de hoje?
Para os que tiverem paciência, reproduzo a seguir o artigo que escrevi esta semana para o Correio de Coimbra:
Mais um ritual cumprido: a semana da unidade ou o oitavário pela unidade dos cristãos. E falo de ritual porque, pelo menos entre nós, é mais uma questão de hábito, de repetição anual, disfarçado com dois tempos de oração um num templo católico e outro num templo protestante.
E, no entanto, o ecumenismo coloca questões a vários níveis.
O comportamento “popular” estava (está) marcado por uma catequese apologética. Durante séculos os protestantes foram considerados inimigos. As Igrejas da Reforma eram acusadas de ter abandonado o verdadeiro redil de Cristo e a sua única hipótese de salvação era retornarem quase de corda ao pescoço, renunciando à sua “heresia” e proclamando o credo católico. Ainda está longe da mentalidade comum cristã a viragem conciliar que fala de culpas “de um e de outro lado” (UR 3), que pede “humildemente perdão a Deus e aos irmãos separados assim como também nós perdoamos àqueles que nos ofenderam” (UR 7), que “exorta os fiéis a absterem-se de qualquer zelo superficial ou imprudente que possa prejudicar o verdadeiro progresso da unidade” (UR 24).
Mas a nível dos problemas teológicos, que pouco ou nada dizem à generalidade do povo cristão, a separação é mais dolorosa: como é que a partir do mesmo Evangelho não somos capazes de nos unir? Que credibilidade pode ter o testemunho cristão se em nome do mesmo Deus estamos tão divididos? Se em nome do mesmo Deus não somos capazes de superar divisões, ultrapassar divergências, assumir compromissos que no fundo são “apenas” doutrinais, não estaremos a dar uma imagem de fundamentalistas e não é o fundamentalismo a negação mais visível de um Deus que a todos acolhe, a todos ama de igual modo?
Certamente já se andou muito caminho, mas não chega, até porque a exigência da última ceia é bem explícito: “para que todos sejam um assim como tu, ó Pai, estás em mim como eu em ti, também eles sejam um em nós a fim de que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17,21).
É certo que esta tem sido uma das grandes preocupações dos últimos papas. Mas terá havido suficiente respeito pelos outros ou aceitamos considerá-los como irmãos, mas mais afastados que nós da Igreja de Cristo? E se assim é, é possível avançar no diálogo e no amor?
De qualquer modo, há uma outra questão semelhante, mas dentro da nossa própria Igreja. Será que não estamos também divididos? Será que o Jesus Cristo que nos anima é o mesmo?
Não reduzimos alguns de nós o exercício da fé à celebração litúrgica e à catequese e ignoramos todas as suas consequências sociais, políticas, económicas e culturais? Quantos de nós interiorizámos o paralelismo radical entre a instituição da Eucaristia e o lava-pés, realizados na última ceia? Estamos certos de que os critérios para entrar no Reino dos céus são os do acolhimento e do amor fraterno? Acreditamos todos que “o mesmo Jesus que disse ‘Isto é o meu corpo’ disse ‘Tinha fome e (não) deste-me de comer” (J. Crisóstomo), porque” sempre que assim fizestes foi a Mim que o fizestes” (Mt 25,40)? Temos consciência de que os sinais do Reino de Deus são: “os cegos recuperam a vista, os coxos andam, os leprosos são limpos, os surdos ouvem…” (Mt 11,5)?
Será que é a mesma a Palavra de Deus que todos proclamamos, celebramos e vivemos?
Se não estamos de acordo neste núcleo duro da mensagem evangélica, que testemunho podemos dar, já que “é nisto precisamente que todos reconhecerão que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns pelos outros” (Jo 13,35). E trata-se não de amar apenas os que são da nossa cor, mas todos incluindo os nossos inimigos, como tão bem mostra o Sermão da Montanha. Há várias causas que dificultam esta unidade dos católicos. Primeiro que tudo, a nossa ignorância da Palavra de Deus, como reconhecem os nossos Bispos: “A fragilidade do cristianismo provém, em grande parte, do analfabetismo religioso”. Depois, há o velho hábito de viver o ser cristão de modo comodista, simpático, sem grandes exigências ou compromissos transformadores nem mudanças perturbadoras do bem-estar pessoal. Daqui decorre uma excessiva incoerência, um “divórcio” entre a fé proclamada e a vida vivida (GS 43) que descredibiliza qualquer fé. Há ainda o pluralismo, que, sendo legítimo e necessário já que o Povo de Deus não é propriamente o “rebanho” de Deus nem vive em regime de cristandade, não pode ignorar as referências fundantes. É para este perigo que nos alerta João Paulo II ao proclamar que todos temos de ser fiéis ao “radicalismo do Sermão da Montanha: ‘Sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste’ (Mt 5,48). Este ideal de perfeição, como explica o Concílio, não deve ser objecto de equívoco, vendo nele um caminho extraordinário, que apenas algum “génio” de santidade poderia percorrer. Os caminhos de santidade são variados e apropriados à vocação de cada um. É hora de propor de novo a todos, com convicção, esta “medida alta” da vida cristã comum: toda a vida da comunidade eclesial e das famílias cristãs deve apontar nesta direcção” (NMI 31).

1 Comentários:

Blogger xana disse...

Caro Zé Dias,

Boa noite.
Gostei de ler o texto. Abre janelas para compartimentos que precisam mesmo de ficar mais arejados, mais esclarecidos. E talvez depois, formando um todo, como uma só casa, nos fosse mais possível chegar á tal unidade.À Unidade a que se urge chegar!

Vou ficar a pensar...

Entretanto deixo-lhe mais um abraço. Um de boa noite para si e depois outro para todos aqui.

23/1/06 02:06

 

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