divórcio ou casamento eterno?...

2007-01-27

CV (32) Dupont e Dupont

Voltando à minha irritabilidade...
No meio desta minha preocupação com algumas reacções que tenho tido ultimamente, recomecei o trabalho que vou fazendo nas semanas que estou em casa. Já aqui referi que achei divertido pôr a limpo trinta anos de apontamentos que fui tomando uns mais sistemáticos outros mais dispersos e que foram fundamentais para a minha formação e para a fundamentação da fé.
Estou neste momento num capítulo dedicado aos Padres do deserto e, mais em concreto, a Evágrio Pôntico, que foi um dos grandes Padres intelectuais no meio da esmagadora maioria dos ascetas do Egipto que eram analfabetos. Foi ele o grande divulgador da doutrina dos oito pecados, percursora da dos sete pecados mortais.
Mas o que tem a ver este paleio todo com a minha irritabilidade?
É que um dos conceitos, que ele desenvolveu muito, foi o da apatheia. Não o inventou pois já os estoicos entre outros o consideravam fundamental. Esta palavra grega, que significa “insensibilidade, apatia” e vem de a (prefixo negativo) e o verbo grego pasco, que significa “sofrer, suportar” (NOTA: Não decobri nada disto; apenas me servi de dicionários e do que me ficou de três anos de grego que tive no Seminário; portanto o meu mérito aqui foi só o de copiar). No catecismo antigo aparecia como o primeiro dote do corpo glorioso: a impassibilidade.
Em Evágrio, não significa a ausência de sensações, mas sim a tranquilidade apesar das sensações. É impassível aquele que não se deixa perturbar e é capaz de controlar a sua agressividade e sensualidade. Portanto, a apatheia não suprime nada dos sentimentos humanos, apenas os purifica submetendo-os ao que temos de mais espiritual. Não é a abolição do pecado em acto mas o que suprime em espírito os pensamentos influenciados e aprisionados pelas paixões.
Pode falar-se em apatheia perfeita, quando se alcança a impassibilidade total, e imperfeita, quando se está em estado de luta pela libertação. Assim a apatheia é um processo contínuo de purificação em ordem à contemplação de Deus, uma purificação que precede a contemplação mas que só termina na contemplação. Por outro lado, a apatheia não diz respeito apenas a Deus, mas também a toda a relação com os outros. Embora não seja possível amar todos os homens como irmãos, sempre se pode tratá-los com a impassibilidade que é a isenção de rancores e ódios (Também isto deve bastabte a um longo artigo de um amigo meu).
Estava eu a contemplar-me nesta reflexão e a acenar interiormente com a cabeça, quando ouvi uma outra voz dentro de mim: "Isto é muito bonito. Mas... se nos deixarmos dominar pela apatheia como vamos transformar o mundo. Ficamos imspassíveis e pronto. Temos de ter o direito à indignação (e a exercê-lo o máximo possível) e a barafustar e até a tratar mal os outros para ver se os acordamos e os mobilizamos para a construção de uma sociedade e de um futuro mais à medida da pessoa". Também é verdade.
Lindo serviço!!!
E assim fiquei com o probelma de conciliar estes meus dois Zés. Razão tem a aminha mulher para me tratar carinhosamente por Zézé (cuidado que é marca registada!).
Só que enquanto os Dupond e Dupont do Tintim são o eco um do outro; os meus são, apesar de verdadeiramente antitéticos, Dupont e Dupont, porque sou eu mesmo. Ainda bem.
Por isso, vou ter de continuar a gerir como "bom senso" a urgência de ir crescendo na apatheia e a necessidade de ir intervalando com a irritabilidade q.s. perante os meus desmandos e as injustiças da nossa sociedade.

1 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Recuperemos o significado de «apatia» ou procuremos viver nessa «apatia». É bem mais profundo e significativo.
Beijos
Lena

30/1/07 03:28

 

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