Casa Pia
Esta infeliz novela da Casa Pia tem mostrado muito sobre alguns dos nossos males: justiça lenta, truques moralmente sujos, por muito legais que sejam, exibicionismo de alguns intervenientes...
Teve, contudo, um aspecto muito positivo: foi abanar as consciências individuais mas também a consciência nacional para uma realidade que a muito poucos incomodava: o abuso de menores. Histórias como estas já existiam mas ainda não se tinham tornado no nosso consciente como uma violação gravíssima da dignidade da pessoa de cada criança.
Agora tenho a impressão de que, com estas demoras e truques, a nossa atenção se foi desviando e que esse sentimento se está a esbater. Como se a pedofilia fosse mais uma peça da nossa sala do cenário da vida nacional: ali está há tanto tempo que a olhamos mas já não a vemos, pelo menos não a vemos com a inteligência nem a vemos com o coração. Quando se fala do caso da Casa Pia pensa-se nos supostos culpados, na demora da justiça, mas das crianças muito poucos se lembram.
A consciência voltou a atirar para as suas camadas mais fundas este tipo de crime. Até porque ele continua, quase impunemente, a praticar-se em família e entre amigos e não apenas em instituições.
Estas atribulações jurídicas, supostamente para aplicar a justiça (coisa em que muitos estão a perder a esperança!), têm tido para já este nefasto efeito colateral: a pedofilia corre o risco de se tornar um crime, sim, mas um crime banal, como tantos outros, até que um dia destes nem crime será.
E os responsáveis primeiros são os vários agentes que fazem parte deste exercício que devia ser tão nobre: o de alcançar a justiça o “mais justa” possível.
Todos dirão que estão de consciência tranquila. É esta uma das capacidades humanas: adaptarmo-nos a tudo.
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