divórcio ou casamento eterno?...

2008-11-07

Números e Letras

A propósito da publicação recente das notas e da polémica que daí resultou, também quero dar o meu contributo. Para já acho que nos perdemos em aspectos secundários, só se envolvem alguns interessados e as soluções apresentadas parecem dar prioridade aos aspectos económicos e a esta maneira estatística de combater o insucesso escolar. É pena porque o problema é muito mais fundo e merecia um debate mais desapaixoando e sério que atacasse as suas principais raizes. Se assim não fizermos, as mudanças, por muita propaganda que haja e por muito barulho que se faça contra, serão sempre superficiais.
Aqui deixo o artigo que preparei para o Correio de Coimbra com algumas reflexões e sugestões.

INFLAÇÃO DE NÚMEROS E DE LETRAS?
As notas agora publicadas sobretudo as de Matemática e Português, porque fora do esperado, devem merecer uma reflexão cuidada de todos nós. Governantes, professores, pais e cidadãos em geral devem interrogar-se seriamente sobre o que realmente queremos, tendo como pressuposto básico que hoje nenhum país se pode desenvolver, mesmo economicamente, se não tiver um bom suporte educativo humano e tecnológico e sem um eficaz exercício da cidadania.
Para mim, o falhanço do nosso sistema educativo reside no facto de não sermos capazes de ensinar as nossas crianças e, por arrastamento, os adolescentes e os adultos, a “ler, escrever e contar”. Já várias vezes falei deste assunto. Mas a sua gravidade justifica que me repita e explicite melhor as minhas sugestões.
Que o Ministério defina objectivos claros, adequados e realistas para cada ano ou ciclo. É obrigatório para qualquer sucesso futuro que, nos primeiros anos, os alunos saibam ler (não apenas soletrar as letras, mas interpretar e saber explicar o que um texto transmite), escrever (não apenas saber o alfabeto, mas ser capaz de exprimir em palavras e frases inteligíveis, num texto “bem” elaborado, isto é, de acordo com as regras de uma composição, as suas ideias e opiniões) e contar (não apenas papaguear a tabuada, mas ganhar uma crescente familiaridade com a lógica e a linguagem da matemática, hoje base fundamental para muitas outras ciências). É necessário elaborar programas para o secundário que explicitem de modo claro os fundamentos conceptuais em vez de os apresentar perdidos em minudências sem suficiente hierarquização. E deixe-se para a universidade o seu aprofundamento e a explicitação, sem cair numa especialização dirigida apenas a “um emprego para toda a vida” (onde isso vai!?) ou a ser perito numa única matéria.
Que os professores dos primeiros anos, tenham como preocupação não só ensinar a “ler, escrever e contar”, mas também passem a mensagem da exigência, de que o estudo não é uma brincadeira mas um exercício difícil que exige trabalho, responsabilidade e seriedade.
Que os professores em geral percebam que os métodos e até alguns saberes que lhes foram ensinados nem sempre são os mais indicados para hoje. As crianças mudaram. Os avanços tecnológicos trazem novas exigências. A criatividade e o espírito de inovação são hoje, num mundo em contínua mudança, tanto ou mais importantes do que a mera transmissão de conhecimentos técnicos. E aqui é também fundamental que o professor não saiba apenas a sua matéria específica mas que tenha um mínimo de cultura geral, que é cada vez mais pobre neste nosso país e, segundo parece, neste nosso mundo de “cultura inculta”.
É urgente, por tudo isto, uma mentalidade nova, nomeadamente na educação, envolvendo ministério e professores. Mas isto não acontece por decreto nem num ano ou dois; implica a conversão e o sério empenhamento de todos. A ministra, que tem um papel importante na animação dessa nova mentalidade, deve saber resistir à tentação das estatísticas para o português ver ou a Europa nos considerar. Deve ter a coragem de “limpar” criteriosamente o ministério dos pedagogos de cátedra e de professores que há muito não dão aulas e, portanto, não fazem a menor ideia de que as suas brilhantes exigências e burocracias pouco ou nada têm a ver com a realidade (o mesmo poderia dizer de alguns sindicalistas profissionais): só com gente seriamente comprometida com o ensino poderemos ter programas adequados e provas e resultados acima de qualquer suspeita. Deve resistir à pressão de acabar com a avaliação. Desburocratize-a, simplifique-a, aperfeiçoe-a sem a reduzir a mero exercício para a estatística, mas não desista desse pressuposto necessário para dar credibilidade a todos. Com a nossa mentalidade – e os professores fazem parte da generalidade dos cidadãos – a avaliação é indispensável. A sua falta foi sempre o grande álibi da maior parte da baldice e da falta de empenho de muita gente e aqui não falo só dos professores mas de todos em geral, a começar pela grande maioria das comunidades eclesiais. Algumas até se reúnem para isso, mas muitas vezes a avaliação converte-se num exercício de auto-elogio ou de lamentações recorrentes.
Também não podemos ignorar um outro elemento comum à maioria dos portugueses: o medo. As pessoas têm medo, muitas vezes irracional, talvez porque nasce de uma consciência pouco tranquila, até da autoridade legítima. O resultado é tornar umas “mais papistas que o papa” e outras incapazes de assumir a crítica justa, fundamentada e frontal junto das instâncias competentes preferindo a crítica superficial, só entre amigos, à mesa do café. Acabam por aceitar, gregariamente, tudo o que vem de cima, mas só o cumprem, por medo, sem grande brio nem dignidade e se tiverem um “polícia” atrás de si.
Um país constrói-se com cidadania e conhecimento, um conhecimento actualizado, com transparência e responsabilidade, o que implica lutar aberta e honestamente contra o que está mal, enfrentando o risco de o dizer claramente aos responsáveis. Este risco, que efectivamente pode existir nos países com défice de cidadania e excesso de subserviência, desaparece logo que as pessoas se tornem cidadãs a sério dispostas a lutar pelos seus direitos mas também a cumprir os seus deveres.
Então teremos uma sociedade mais desenvolvida, mais justa e mais humana para todos.

2 Comentários:

Blogger Manuel Dias da Silva disse...

Olá Zé
Não posso estar mais de acordo com as tuas refelxões.
Se as pessoas não tomarem consciência do seu papel, como cidadãos, com tudo o que isso implica de deveres e direitos, não há leis, nem guerras, que resolvam este e os outros conflitos que, permanente e continuadamente, impede a felicidade e a sã convivência entre as gentes.
Manel

12/11/08 09:51

 
Blogger Zé Dias disse...

Tive muuito gosto em "ver-te" por cá.
Não tenho nada a acrescentar ao que já disse e tu disseste.
Apenas fazer um apelo ao bom senso e à consideração prioritária pelos alunos.
Um abração

13/11/08 20:54

 

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