divórcio ou casamento eterno?...

2009-09-10

CinV (20) Bem Comum (nº 7)

Esta é uma preocupação que parece ter desaparecido de todo dos comportamentos da maior parte das pessoas. O feroz individualismo, que ataca a grande maioria de nós, faz desaparecer ou tornar insignificante o próprio conceito de bem comum. Quase ninguém interioriza que o bem-estar social, a organização justa de uma sociedade passa pelo empenho decidido de todos e não só de governantes ou meia dúzia de cidadãos de boa vontade. Por isso, os nossos Bispos explicitaram que “o empenhamento de todos, sem egoísmo, é condição essencial para se obter o bem, a que todos são chamados, e a felicidade, a que aspiramos” (Carta de 2003) e Bento XVI, nesta encíclica, afirma que “amar alguém é querer o seu bem e trabalhar eficazmente por ele” não só a nível individual mas também a nível do “bem daquele nós-todos”, que inclui “indivíduos, famílias, grupos intermédios que se unem em comunidade social”.
Não é de agora a atenção da Igreja a este bem fundamental, que define os imperativos da acção política: “A comunidade política existe precisamente em função do bem comum; nele ela encontra a sua completa justificação e significado e dele deriva o seu direito natural e próprio” (GS 74). Dado que se trata de um conceito bastante vago que parece ignorar que vivemos numa sociedade onde há conflito de interesses, é necessário dar uma definição clara, como fez o Concílio, na linha de João XXIII: “O bem comum compreende o conjunto de condições da vida social que permitem tanto aos grupos como a cada membro alcançar mais plena e facilmente a sua própria perfeição” (GS 26). E o Compêndio da DSI é muito explícito: “Nenhuma forma expressiva da sociabilidade – desde a família, passando pelo grupo social intermédio, a associação, a empresa de carácter económico, a cidade, a região, o Estado, até à própria comunidade dos povos e das nações – pode iludir a questão do bem comum, que é constitutivo do seu significado e autêntica razão de ser da sua própria subsistência” (nº 165).
Portanto, trata-se de uma realidade que está subordinada à dignidade da pessoa e aos justos interesses da sociedade; que é mutável, porque deve ser determinada pelas mudanças e contextos históricos; e que tem de ser flexível, porque tem de corresponder ao desenvolvimento específico de cada sociedade.

O bem comum exige caridade e justiça, isto é, “cuidar do outro e valer-se das instituições” jurídicas, civis, políticas e culturais que estruturam, que formam a pólis, a cidade: “Ama-se tanto mais eficazmente o próximo, quanto mais se trabalha em prol de um bem comum que dê resposta também às suas necessidades reais”.
Por isso, o Papa introduz aqui o que poderia chamar-se a “caridade política”: “Este é o caminho institucional — podemos mesmo dizer político — da caridade, não menos qualificado e incisivo do que o é a caridade que vai directamente ao encontro do próximo, fora das mediações institucionais da pólis”.

A maior parte de nós está habituada a considerar a caridade como aquele cuidado e solicitude que devemos ter directamente com a pessoa, com o outro, sobretudo o mais carenciado. Mas há uma outra dimensão, que não se dirigindo directamente à pessoa, procura promover o seu bem através de uma adequada organização das diferentes estruturas e âmbitos sociais. Há quem prefira chamar-lhe promoção da justiça (que abarca, portanto, todos os âmbitos e organização sociais, numa palavra, o compromisso sócio-político) em contraponto com a diaconia da caridade (que engloba sobretudo as instituições mais dirigidas aos mais carenciados, numa palavra, a acção sócio-caritativa). Claro que não se trata de dois compartimentos estanques; na prática, contudo, implicam objectivos diferenciados bem como métodos e meios de intervenção diferentes.
Por isso, me parece muito feliz esta expressão caridade política, até porque “quando o empenho pelo bem comum é animado pela caridade, tem uma valência superior à do empenho simplesmente secular e político. Aquele, como todo o empenho pela justiça, inscreve-se no testemunho da caridade divina que, agindo no tempo, prepara o eterno. A acção do homem sobre a terra, quando é inspirada e sustentada pela caridade, contribui para a edificação daquela cidade universal de Deus que é a meta para onde caminha a história da família humana”, especialmente neste tempo de globalização.

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