CinV (16) Verdade nas religiões
Não sei se será abusivo aplicar aquela “definição”, que Bento XVI deu sobre a verdade logo no princípio da encíclica, às religiões. O tema é muito complexo, como possivelmente iremos ver ao longo destes comentários, mas foi o Evangelho da liturgia de domingo passado que me “empurrou” para esta reflexão.
De um lado, temos os costumes judaicos, que impõem obrigatoriamente todos aqueles ritos de purificação e pureza exterior: lavar as mãos antes de comer, lavar as roupas depois de um contacto com gente impura ou com os mortos, lavar-se depois do contacto com mulher menstruada e a lista poderia alongar-se.
Do outro, temos as palavras de Jesus, que recusa todo aquele ritualismo que ele indirectamente acusa de vazio, ao proclamar: “Escutai-me e procurai compreender. Não há nada fora do homem que ao entrar nele o possa tornar impuro (que comentários belíssimos se podem fazer a partir desta afirmação!). O que sai do homem é que o torna impuro, porque é do interior do homem que saem as más intenções: imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, cobiças, injustiças, fraudes, devassidão, inveja, difamação, orgulho, insensatez. Todos estes vícios saem do interior do homem e são eles que o tornam impuro” (Mc7,21-23).
Comparando estas duas posições sou levado a pensar que as verdades do Judaísmo e do Cristianismo são diferentes, apesar de ambas quererem honrar e louvar o mesmo Deus. Aliás, já no Sermão da Montanha, Jesus, apesar de afirmar que não vinha revogar a Lei ou os profetas, mas dar-lhes cumprimento (levá-los à perfeição: plerósai: Mt 5,17), apresenta uma sucessão de antinomias: “Ouvistes o que foi dito… Eu, porém, digo-vos” (Mt 5, 21s;27s; 31s; 33s; 38s; 43s).
E avançando um pouco mais, terei de concluir que estas diferentes “verdades” na apresentação do verdadeiro Deus não se esgotam nestas duas tentativas de dizer o indizível, mas que se deverão estender a todas as formas, mais ou menos imperfeitas de “dizer Deus”. O que coloca a questão tão actual de se haverá uma única religião verdadeira (religio vera é uma expressão usada por Bento XVI). Porque Deus é Mistério, como tão bem explica A. Nolan:
“Deus não é um mistério, ou seja, um de entre muitos mistérios. Deus é o mistério: e não só é o mistério sagrado ou o mistério divino. Isso também o colocaria como um entre muitos mistérios, mesmo sendo um mistério especial. Em certo sentido, Deus é o carácter misterioso de todas as coisas. Tu e eu fazemos parte do mistério. “Parte” não é uma forma muito boa de descrever aquilo que pretendemos dizer neste caso. Para utilizar uma frase negativa, eu não estou fora do mistério de todas as coisas, a olhar para ele como uma espécie de observador. Pelo contrário, devo incluir-me no mistério ao qual chamamos Deus. Como dizia S. Paulo: “É nele, realmente, que vivemos, nos movemos e existimos” (Act 17,28)”.
Para que ninguém fique escandalizado com esta frase e se ponha a pensar num qualquer panteísmo balofo, para lá da frase paulina, refiro o título o livro – “Jesus Hoje. Uma espiritualidade de liberdade radical” – que recomendo vivamente para quem se preocupa com uma espiritualidade cristã autêntica.
Tão preocupados andamos em saber de cor (de cor, não; de memória ou de inteligência) as palavras, os gestos de Jesus, que nos esquecemos de as sabermos do coração: a espiritualidade de Jesus, o modo como se relacionava com O Mistério que era o Pai, Abba.
1 Comentários:
Embora a morte seja mais natural do que o nascimento, um dia tenhamos que devolver a “Mãe Terra” tudo o que pegamos emprestado; a Consciência não sobreviva à morte do corpo físico; e todas as religiões sendo formas primitivas de “explicar” os fenômenos que rodeiam os seres humanos, a tendência é que elas desapareçam gradativamente, derrotadas pelas conquistas das Ciências....
O instinto de Autopreservação faz com que os medíocres desejem viver para sempre (ou pelo menos serem sempre lembrados), ainda que nada tenham feito para merecer tão honra...
31/8/15 06:53
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