CinV (23) Fé e Razão (2)
Parece-me oportuno recordar o esforço que João Paulo II desenvolveu neste campo desde os seus tempos de padre e bispo na Polónia, quando juntava ilustres intelectuais de diferentes sensibilidades em tertúlias que ficaram famosas.
Quando Papa, estimulou o diálogo entre a ciência e a religião sobretudo através da Academia das Ciências do Vaticano. Foi também ele que mandou rever o “processo de Galileu”.
Por ocasião dos 300 anos da publicação do famoso livro de Newton, escreveu numa Carta ao Pe. G. V. Coyne, Director do Observatório Astronómico Vaticano (1.Jun.1988): “A ciência pode purificar a religião do erro e da superstição; a religião pode purificar a ciência da idolatria e dos falsos absolutos. Cada uma pode ajudar a outra a entrar num mundo mais amplo, um mundo no qual possam prosperar em conjunto. A verdade é que a Igreja e a comunidade científica terão de contactar inevitavelmente; as suas opiniões não suportam o isolamento. Os cristãos não poderão deixar de assimilar a ideia predominante de olhar o mundo, ideia que hoje sofre uma profunda influência da ciência. O único problema é se o fazem com sentido crítico e reflectido, com profundidade e equilíbrio, ou com a superficialidade que avilta o Evangelho e que os envergonha perante à história. Os cientistas, como todos os seres humanos, deverão tomar decisões sobre o que, em definitivo, dá sentido e valor à sua vida e ao seu trabalho; fá-lo-ão bem ou mal, ou com aquela profundidade de reflexão que se alcança com a ajuda da sabedoria, ou com uma considerada absolutização das suas conquistas que ultrapassa os seus justos e razoáveis limites”.
Este interesse do Papa estimulou a colaboração do Observatório e do Conselho Pontifício da Cultura com várias universidades, nomeadamente a de Berkeley, do qual saíram cinco volumes tratando os seguintes temas: Cosmologia quântica e leis da natureza (1993); Caos e complexidade (1995); Biologia evolutiva e molecular (1995); Neurociência e pessoa (1999); Mecânica quântica (2001). (Estes elementos recolhi-os de um artigo de L. Sequeiros, na revista Iglesia Viva nº 238).
A 14.Set.1988 publicou uma encíclica totalmente dedicada a este tema: Fides et Ratio. Uma das suas preocupações é a fragmentação do saber, que só o respeito pela tradição poderá superar: “Quero exprimir vigorosamente a convicção de que o homem é capaz de alcançar uma visão unitária e orgânica do saber. Esta é uma das tarefas que o pensamento cristão deverá assumir durante o próximo milénio da era cristã. A subdivisão do saber, enquanto comporta uma visão parcial da verdade com a consequente fragmentação do seu sentido, impede a unidade interior do homem de hoje… Neste sentido, é muito importante que, no contexto actual, alguns filósofos se façam promotores da descoberta do papel determinante que tem a tradição para uma forma correcta de conhecimento. De facto, o recurso à tradição não é uma mera lembrança do passado; mas constitui sobretudo o reconhecimento de um património cultural que pertence a toda a humanidade. Poder-se-ia mesmo dizer que somos nós que pertencemos à tradição, e por isso não podemos dispor dela a nosso bel-prazer. É precisamente este enraizamento na tradição que hoje nos permite poder exprimir um pensamento original, novo e aberto para o futuro. Esta observação é ainda mais pertinente para a teologia, não só porque ela possui a Tradição viva da Igreja como fonte originária, mas também porque ela, em virtude disso mesmo, deve ser capaz de recuperar quer a profunda tradição teológica que marcou as épocas precedentes, quer a tradição perene daquela filosofia que, pela sua real sabedoria, conseguiu superar as fronteiras do espaço e do tempo” (85).
Uma revista da Universidade de Valência resumia em quatro grandes temas o confronto histórico entre ciência e religião: origem do universo, origem e história da terra, origem e evolução dos seres vivos e a emergência e evolução da condição humana.
Pelo meio, foi-se desenrolando já ao longo de várias décadas a “luta” entre criacionistas e evolucionistas, que sobretudo nos Estados Unidos chegou à barra dos tribunais.
Recentemente os avanços da física das partículas vêm colocar novos problemas em torno do princípio antrópico e do “Desenho Inteligente”. Por outro lado, as novas versões da criação do Universo a partir das flutuações quânticas do vazio obriga a aprofundar a ideia teológica da criação ex nihilo (do nada).
Depois de um período de aparente diálogo promissor, surgiu nos primeiros anos deste século uma nova forma de confronto, especialmente sobre a existência de Deus ou a necessidade de Deus.
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