divórcio ou casamento eterno?...

2009-09-18

CinV (24) Deus existe?

O ateísmo parece ter ganho um fôlego incluindo até campanhas publicitárias em autocarros urbanos em várias cidades europeias. Um dos slogans mais conhecido é talvez o que apareceu em Génova: “A má notícia é que Deus não existe, a boa é que não precisamos dele”. Diz-se que tais campanhas terão sido financiadas por Richard Dawkins, um biólogo evolucionista e um assumido ateu militante, que tem escrito vários livros de sucesso sobre o tema e aproveitado a Internet, dando especial atenção ao problema da (não) existência de Deus.

É certo que sempre houve críticos da existência dos deuses, mas o ateísmo sistemático é tardio.

Por exemplo, Epicuro já colocava o problema: “Deus ou quer eliminar os males e não pode, ou pode e não quer, ou não quer nem pode, ou quer e pode. Se quer e não pode, é impotente; o que não pode acontecer para ser Deus. Se pode e não quer, é invejoso, o que é igualmente contrário ao ser Deus. Se não quer nem pode, é invejoso e impotente e, portanto, não é Deus. Se quer e pode, atributos só de Deus, donde provém a existência dos males e por que não os elimina?”. Estas questões são hoje retomadas nesta ou numa forma semelhante por muitas pessoas honestas.

Os primeiros cristãos foram acusados de ateus, porque se recusavam a adorar os deuses, sobretudo os Lares (deuses familiares), e o imperador, pilares da civilização romana. S. Justino responde a esta acusação: “Daí que nos chamem ateus. E, se se trata desses supostos deuses, então confessamo-nos ateus, mas não a respeito do Deus verdadeiríssimo, pai da justiça e da castidade e das demais virtudes, em quem não há qualquer mancha de maldade. A Ele, ao Filho, que dele veio e nos ensinou tudo isto… e ao Espírito profético, lhes damos culto e adoramos, honrando-os com razão e verdade e ensinando generosamente a quem quiser sabê-lo tudo aquilo que nós aprendemos” (Apologia I, cap. VI).

O ateísmo sistemático é mais tardio, como se pode ver pelo facto de só com Leibniz (séc. XVII) ter surgido a Teodiceia, “a justificação de Deus”, ao escrever um tratado em que tentou explicar como e por que razão existe (tant)o sofrimento no mundo sabendo-se que Deus é todo poderoso e quer que todos sejamos felizes.

Convém, no entanto, não esquecer que o ateísmo não se reduz ao sistema comunista, ao existencialismo, ao agnosticismo ou ao indiferentismo. Há também um ateísmo prático que muitos crentes alimentam, como já o Concílio criticara: “Porque o ateísmo, considerado no seu conjunto, não é um fenómeno originário, mas antes derivado de várias causas, entre as quais é preciso contar uma reacção crítica perante as religiões e, especialmente em certas regiões, em face da religião cristã. Por isso, nesta génese do ateísmo, os crentes podem ter uma não pequena parte, na medida em que, pela negligência na educação da fé, pela apresentação falsa da doutrina e também pelas deficiências da sua vida religiosa, moral e social, se pode dizer que mais encobriram do que revelaram a autêntica face de Deus e da religião” (GS 19).

Voltando a R. Dawkins: ele não só proclama que a probabilidade do ateísmo é quase absoluta quando analisado a partir da objectividade e da evidência científica, como sugere que do ponto de vista científico a probabilidade da existência de Deus é inferior a 5%. Bom, podia ser pior!

Em resposta a este dogmatismo é interessante ver o número de livros “genéricos” que abordam o tema Deus, mas também revistas e artigos de cientistas que se dizem crentes. Recordaria o inquérito feito a cientistas de todo o mundo pela prestigiada revista Nature, em 1997, que deu o seguinte resultado: 39,3% acreditam num Deus pessoal; 38% acreditam na imortalidade; apenas 9, 9% “desejava que existisse uma outra vida” (L. Sequeiros)

É evidente que há temas que não são fáceis de articular e que exigem um grande esforço de diálogo franco e honesto, pois parece muito difícil, para um crente e até para um humanista, aceitar que o homem é apenas o conjunto do seu património genético; que a consciência e as emoções são apenas uma troca de iões entre os milhares de sinapses, dendrites e neurónios; que acabará por se descobrir (um)a “Teoria do Tudo”, uma teoria única capaz de explicar todos os fenómenos desde o infinitamente grande ao infinitamente pequeno. Mas isto levar-nos-ia por longos caminhos, que não fazem parte deste meu itinerário sobre a encíclica.

Até porque nem sequer sabemos responder a esta pergunta tão “simples” com antiga: “Por que existe alguma coisa e não o nada?”

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