divórcio ou casamento eterno?...

2009-09-21

CinV (25) Verdade e Opiniões

Embora se trate de um assunto marginal, indirectamente ligado à encíclica, gostaria de reflectir um pouco sobre uma realidade de que geralmente não nos damos conta.
Partindo da definição de verdade de cada pessoa como o projecto que a realiza plenamente, teremos que fazer alguma diferenciação entre a verdade de cada um e as suas opiniões “técnicas”. A sua verdade é o seu ser, o seu modo fundador da sua vida, a sua “opção fundamental” na condução do seu modo de viver. Contudo a vida é feita de milhentos tempos de pequenas opções, de escolhas imediatas que, sem ignorar o meu ser, não são uma sua consequência lógica. Por exemplo, não depende da minha condição de crente ou de ateu preferir o novo aeroporto em Alcochete ou na Ota ou considerar que o TGV é necessário ou dispensável para um melhor desenvolvimento do país.
Assim sendo, eu não posso ser apenas avaliado pelas minhas escolhas “secundárias”. Eu SOU mais do que as minhas opiniões. Contudo, penso eu, temos praticamente todos, a começar por mim, tendência para ver eavaliar o outro pelo que ele diz. Ilustraria, para melhor explicitação, esta minha ideia com um exemplo prático. Há algum tempo, numa entrevista televisiva, um ilustre professor de gestores (apesar da sua projecção internacional, não o conhecia nem conheço; só por isso não refiro o seu nome!) contou o que se passara numa reunião de altos responsáveis de uma instituição bancária. A dada altura, um dos participantes fez uma proposta que apoiou em vários argumentos, pedindo a opinião (aprovação?!) dos presentes. O dado professor comentou que tal proposta não passava de um disparate. Resposta pronta do interpelado: “O senhor está a chamar-me burro!”. “Não – tentou explicar – eu apenas estou a analisar a sua proposta e não a sua pessoa. O que é burrice, na minha opinião, é “apenas” a sua proposta não o senhor”.
Esta é a nossa atitude normal. Quando alguém critica a minha opinião, penso logo que ele está a pôr-me em causa, está a desqualificar a minha “verdade”, o meu SER. Não conseguimos distinguir o acidental, as manifestações provisórias, daquilo que é o fundamental, a verdade do meu ser, o meu “modo último” de viver, os fundamentos da minha maneira de ser e estar.
Como referi, a maior parte delas, as que chamei “opiniões técnicas”, não têm a ver directamente com essa minha verdade. No entanto, como é evidente tenho de tomar, ao longo da vida, decisões que estão em íntima dependência da minha verdade. Essas são as opções de fundo que marcam o rumo que quero dar à minha vida. Quando prefiro a cunha, em vez da avaliação honesta, para subir na carreira estou a violentar a minha verdade (e também a dos outros) e esta decisão não é acidental mas essencial, estruturante da minha maneira de viver. Quando prefiro o TER ao SER estou a tomar decisões que afectam a minha verdade e a põem em causa.
Parece-me haver aqui uma ponte para a distinção de João XXIII, que já atrás referi: é preciso saber distinguir entre o erro e a pessoa que erra. E também aqui temos muita dificuldade em praticar esta exigência moral. Já não é só com os que erram. É também com os que não têm a mesma opinião que eu, os que não têm a mesma cor intelectual ou partidária. No fundo, são manifestações de racismo e todos somos racistas, embora teoricamente não o admitamos e juremos a pés juntos a nossa inocência.
É difícil, mas temos que ser capazes de passar para lá das aparências para chegar ao essencial. Olhar para o que está por detrás da fachada, do invólucro. Jesus acusava os fariseus de serem sepulcros caiados. A sociedade burguesa falava de “virtudes públicas e vícios privados”. E esta prática ganhou raízes e continua bem viva. Além disso, hoje vivemos numa sociedade onde “tudo vale”: cada um sente-se livre para fazer o que lhe apetece. “Eu quero” e “Eu gosto” são expressões correntes. Até mesmo o que a lei exige, muitos nos preocupamos em ultrapassar ou contornar naquilo que não é do nosso agrado
Termino, voltando a Bento XVI: “Sem verdade, sem confiança e amor pelo que é verdadeiro, não há consciência e responsabilidade social e a actividade social acaba à mercê de interesses privados e lógicas de poder, com efeitos desagregadores na sociedade, sobretudo numa sociedade em vias de globalização que atravessa momentos difíceis como os actuais” (5).

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