divórcio ou casamento eterno?...

2009-09-22

CinV (26) A “minha” verdade

Há pelo menos duas lições que extraio para meu uso pessoal desta Introdução.

Se amar em verdade implica amar o outro tendo em conta o projecto a que ele está chamado, eu tenho de olhar para ele nessa perspectiva: esta é “uma vocação que nos é dirigida para amarmos os nossos irmãos na verdade do seu projecto” (1). Por exemplo, porque ninguém pode ter como projecto ser pobre, miserável, passar fome, eu não posso olhar para os milhões de deserdados da história como uma “chatice”, uns preguiçosos, esquecendo que a maioria deles é fruto de situações e exclusões de um mundo que nós organizámos de modo injusto e à medida dos (nossos) interesses mais egoístas, criando um conjunto de “estruturas de pecado” que eu ignoro para poder ficar com a consciência (cristã) mais sossegada. Portanto eu nunca posso ou devo ver “no necessitado, que pede ajuda para a sua vida, um importuno ou um fardo, para reconhecerem nele a ocasião de um bem em si, a possibilidade de uma riqueza maior. Só esta consciência dará a coragem para enfrentar o risco e a mudança implícita em toda a tentativa de ir em socorro do outro homem. De facto, não se trata apenas de «dar o supérfluo», mas de ajudar povos inteiros, que dele estão excluídos ou marginalizados, a entrarem no círculo do desenvolvimento económico e humano. Isto será possível não só fazendo uso do supérfluo, que o nosso mundo produz em abundância, mas sobretudo alterando os estilos de vida, os modelos de produção e de consumo, as estruturas consolidadas de poder, que hoje regem as sociedades” (CA 58).

Uma segunda lição tem a ver comigo. Qual é a minha verdade, isto é, qual é o projecto de vida que sou chamado a realizar? Lembro-me que, quando terminei a minha licenciatura e comecei a trabalhar, as duas questões existenciais que se me punham eram duas: 1) ser (viver como) cristão é a mesma coisa que ser (viver como) bom cidadão?; 2) qual é o projecto que Deus tem para mim? Terei eu o coração suficientemente liberto para poder dar espaço ao projecto de Deus, mesmo que ele vá contra os meus legítimos projectos?
A resposta à primeira questão exigiu bastante leitura e meditação mas foi fácil encontrá-la.
Mas quanto à segunda ainda hoje ando à procura e possivelmente nunca acabarei essa busca. Porque Deus não nos fala directamente, a não ser excepcionalmente e mesmo nesses casos que a Bíblia relata, eu não sei se Deus terá sido assim tão explícito. Por exemplo, Moisés fugiu para o deserto onde apascentava os rebanhos do sogro. Mas certamente não conseguia esquecer os seus irmãos hebreus escravizados no Egipto. Foi Deus que lhe falou directamente como relata o Êxodo ou foi ele que na leitura dos acontecimentos descobriu o projecto de Deus? Mesmo S. Paulo: certamente não bastaria cair do cavalo (será que ele caiu mesmo? e será que foi mesmo Deus que o derrubou?); deve ter havido muita reflexão pessoal (ele era especialista na Tora) que o terá levado não só a deixar de perseguir os cristãos como sobretudo a libertar os convertidos da obrigação de passarem pelo judaísmo.
Deus fala-nos na Palavra revelada, mas sobretudo nos acontecimentos do dia a dia. É aí que eu tenho de em cada momento ir descobrindo a melhor maneira de cumprir a minha verdade. Às vezes só vejo pequenos vestígios e fico na dúvida. Mas tenho de continuar essa busca, mesmo e sobretudo correndo o risco de me enganar. Deixando de falar dos outros, o que posso é testemunhar que fui fazendo as minhas opções, tendo em conta a minha “formação” cristã e humana e procurando discernir o que me parecia ser em cada momento o que Deus me indicava através dos acontecimentos. Foi assim quando decidi sair do seminário (e se eu sabia o quanto iria magoar os meus pais especialmente a minha mãe!); quando desisti de namorar ao saber que a “miúda” era filha de um rico industrial; quando decidi não me doutorar; quando deixei a minha actividade profissional apenas com 20 anos de serviço.
Fiz as opções certas? Sei lá. Mas fi-las com a convicção de que era aquilo que Deus me indicava naqueles momentos. Mas os sinais dos tempos não só são ambíguos como vêm muitas vezes mascarados por anti-sinais. Resta-nos a fé e a confiança na Providência (“Não vos preocupeis com o dia do amanhã… Procurai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça e tudo o mais vos será dado por acréscimo”: Mt 6,33s) e amar a vida e os outros de acordo com as exigências desse Reino!

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