divórcio ou casamento eterno?...

2010-02-25

CinV (94) Globalização (3) (nº 42)

Outra atitude a evitar é olhar a globalização apenas como económica: “É bom recordar que a globalização há-de ser entendida, sem dúvida, como um processo sócio-económico, mas esta sua dimensão não é a única. Sob o processo mais visível, há a realidade de uma humanidade que se torna cada vez mais interligada; tal realidade é constituída por pessoas e povos, para quem o referido processo deve ser de utilidade e desenvolvimento, graças à assunção das respectivas responsabilidades por parte tanto dos indivíduos como da colectividade”.

Trata-se de uma realidade – a interdependência – que João Paulo II tanto destacou, elevando-a inclusivamente a categoria moral: “No caminho da desejada conversão, rumo à superação dos obstáculos morais para o desenvolvimento, pode-se já apontar, como valor positivo e moral, a consciência crescente da interdependência entre os homens e as nações. O facto de os homens e as mulheres, em várias partes do mundo, sentirem como próprias as injustiças e as violações dos direitos humanos cometidas em países longínquos, que talvez nunca visitem, é mais um sinal de uma realidade interiorizada na consciência, adquirindo assim uma conotação moral. Trata-se antes de tudo da interdependência apreendida como sistema determinante de relações no mundo contemporâneo, com as suas componentes - económica, cultural, política e religiosa - e assumida como categoria moral” (SRS 38). Esta afirmação apresenta um argumento muito significativo: o facto de sentirmos como feitas a nós as injustiças que atingem pessoas que nunca conheceremos ou países que nunca visitaremos. É uma dimensão do conceito de próximo, que nem sempre percebemos na riqueza do seu significado: já não só os nossos amigos, o que já todos percebemos bem; mas também não são só os nossos vizinhos ou cidadãos do nosso país; são todos, como explicita o próprio Bento XVI: “A parábola do bom Samaritano permanece como critério de medida, impondo a universalidade do amor que se inclina para o necessitado encontrado «por acaso», seja ele quem for” (DCE 25).

Aliás, Kofi Annan, quando secretário-geral da ONU, expressava a mesma ideia da interdependência por outras palavras: “Vivemos num mundo em que nenhum indivíduo e nenhum país existe isoladamente. Todos vivemos não só na nossa comunidade, mas também no mundo. Os povos e culturas são cada vez mais híbridos. De Berlim a Bangalore, são reconhecíveis os mesmos ícones, quer no cinema, quer num monitor de computador. Somos todos consumidores na mesma economia global. Somos todos influenciados pelas mesmas ondas de mudança política, social e tecnológica. A poluição, o crime organizado e a proliferação de armas letais não se prendem com considerações relacionadas com as fronteiras: são ´problemas sem passaporte´ e, como tal, são o nosso inimigo comum. Estamos interligados, somos interdependentes” (26.Dez.1999).

Para João Paulo II, colocar a interdependência no plano moral tem como consequência que a resposta apropriada tenha de vir também do plano moral: “Quando a interdependência é reconhecida assim, a resposta correlativa, como atitude moral e social e como «virtude», é a solidariedade. Esta, portanto, não é um sentimento de compaixão vaga ou de enternecimento superficial pelos males sofridos por tantas pessoas próximas ou distantes. Pelo contrário, é a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum; ou seja, pelo bem de todos e de cada um, porque todos nós somos verdadeiramente responsáveis por todos” (SRS 38). Assim, a solidariedade deixa de ser um qualquer sentimento momentâneo, para se tornar numa “virtude”, isto é, num hábito permanente de vida, na tal determinação firme e perseverante de lutar pelo bem de todos nós.

No fundo é, como faz Bento XVI, retomar a dimensão cultural da globalização, que já analisámos atrás: “ A superação das fronteiras é um dado não apenas material mas também cultural nas suas causas e efeitos”.

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