divórcio ou casamento eterno?...

2010-02-19

Onde esta(va) Deus no Haiti?

tiEsta foi a pergunta que a Ana fez a um dos meus últimos posts e cuja resposta não cabe em duas ou três linhas. Mas vou tentar deizar algumas pistas.

A primeira pergunta a que temos de responder honestamente é: quem é Deus para mim? Há muitas imagens de Deus e todas elas feitas à nossa imagem e semelhança. Assim nenhuma delas é cem por cento verdadeira, até porque Deus é indefinível, é o Grande Mistério. Mas há algumas que não têm suficiente seriedade. Para muitos, Deus é uma espécie de comerciante, com quem se pode negociar, tipo "dou (as “promessas”)  para que me dês (os meus interesses)": a concretização de um bom negócio ou a passagem num exame. Para outros, Deus é um milagreiro que deve intervir nas leis da Natureza ou nos comportamentos humanos para que tudo corra bem. Esta imagem é que está, parece-me, subjacente à pergunta da Ana, e que insinua que Deus devia ter evitado o terramoto no Haiti, pelo grande mal e sofrimento que causou.

“Onde estava Deus?” será uma pergunta justa? Vejamos o comportamento da Natureza. Há cerca de quatro mil e quinhentos milhões de anos, a Terra começou a formar-se. Devido a várias circunstâncias (força da gravidade, radioactividade interna, bombardeamento de meteoritos e asteróides), nos seus inícios, era um bola de fogo que foi arrefecendo com o tempo e de fora para dentro. Sob a superfície sólida há, ainda hoje, um mar de magma incandescente que liberta continuamente gases, que fazem pressão sobre as várias placas que suportam os continentes. A pressão vai aumentando e só há duas soluções: ou vai sendo aliviada através dos vulcões ou, se encontram um “falha”, os gases destabilizam as zonas fracturadas e temos um tremor de Terra. Qual foi o papel de Deus neste caso? Ter formado a Terra? Ou, deixando-nos de egocentrismos, ter criado o Universo, e sobretudo tê-lo criado tão imperfeito?
No fundo, realmente, o que nós perguntamos é por que existe o mal. Juntar Deus e o mal é que nos complica tudo. E, conscientemente ou não, todos subscrevemos o dilema de Epicuro: “Se Deus quer evitar o mal e não pode, não é omnipotente; se pode e não quer, não é bom; se não pode nem quer, não é Deus; se pode e quer, então é malvado”. Este raciocínio aparentemente tão evidente tem um defeito de base, que vou tentar explicar com um exemplo comezinho: Pode Deus fazer a quadratura do círculo? Não, porque é absurdo: um quadrado não pode ser círculo. De igual modo, pode Deus criar um mundo absolutamente perfeito? Não, porque só Deus é absolutamente perfeito. Portanto, não é Deus que não pode criar esse mundo simplesmente porque ele não é “criável”. O mesmo se pode dizer do Homem. Deus não pode criar um Homem absolutamente perfeito, porque tal Homem seria (como) Deus. Tudo o que é criado tem limites. É esta finitude que nos traz o mal nas suas várias dimensões: física, psicológica, moral, metafísica, espiritual.

Mas avancemos mais um pouco. Sendo a liberdade uma das causas do mal, Deus podia ter criado o Homem sem liberdade. Mas não quis, porque um Homem sem liberdade não seria Homem; seria uma marioneta. E Deus, por amor, preferiu criar o Homem com liberdade, mesmo “sabendo os riscos que corria”: saberia o Homem, feito à sua semelhança, exercer correctamente a soberania que lhe confiou? Quereria o Homem continuar a sua tentativa titânica de ultrapassar os limites impostos ou deixar-se-ia guiar por Deus? (G. Fohrer) A missão que Deus deu à humanidade de “guardar e cultivar o jardim” contém em si a tentação de manipular a própria força criadora. Mas sem liberdade não há Homem. É a liberdade que caracteriza o Homem, de tal modo que o primeiro acto verdadeiramente humano foi o ter comido da árvore do bem e do mal (E. Fromm), contra a vontade de Deus.

Uma consequência teológica é que, ao criar o Homem com liberdade, o nosso Deus despiu-se da sua omnipotência, pois a partir daí a história passou a ser um diálogo dialéctico entre a vontade de Deus e a vontade do Homem, que, no fundo, será sempre um Ulisses que qtudo quer saber e fazer ou um Prometeu que até vai ao céu roubar o fogo a Júpiter. E o nosso Deus é um “fraco”, estruturalmente incapaz de impor a sua vontade a alguém, porque respeita a autonomia do Homem e da Natureza. Por isso não é legítimo atribuir-lhe as culpas que pertencem a um ou a outra.

Então, afinal, onde estava Deus no Haiti? Estava em todas as vítimas da Natureza e do Homem, porque Deus está sempre e primeiramente em todas as vítimas da história. O nosso Deus é um Deus crucificado. Esta é outra linha que devemos ter presente no nosso raciocínio. Deus podia fazer o milagre de salvarao seu Filho da morte na cruz. Mas isso era interferir na vontade dos homens que o condenaram; seria o tal “Deus milagreiro”. Se Ele não evitou o sofrimento do seu Filho, como podemos culpá-lo de não evitar o sofrimento dos outros. Mais: Deus não podia salvar o seu Filho da morte, porque faz parte estrutural da pessoa humana morrer e Jesus era (também) homem. com todas as suas limitações. Mas nós, os crentes, sabemos que este Deus “fraco”, crucificado, é quem tem a “última palavra”, porque nada acaba na Cruz. Tudo começa na Cruz e culmina na Ressurreição.

E onde está Deus agora no Haiti? Está em todos os que ajudam a reconstruir o país e levam esperança e amor aos que tudo perderam. Onde está o Amor, aí está Deus.
É este o nosso papel. Tudo fazer para evitar todas as formas de sofrimento e de mal,em vez de os ir aumentando com a cruz das nossas injustiças.
Porque o mal nunca é querido por Deus, que é Amor. O mal é um mistério que só o escândalo da Cruz ajuda a iluminar.

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