divórcio ou casamento eterno?...

2010-03-17

CinV (97) Direitos e Deveres (nº43)

O capítulo IV, cujo título é “Desenvolvimento dos povos, Direitos e Deveres, Ecologia”, passa a um outro conjunto de temas, sempre na perspectiva do desenvolvimento “autêntico”, aqui adjectivado com “dos povos”. O pano de fundo é a relação entre direitos e deveres, que o Papa “marca” logo nas primeiras palavras, citando Paulo VI: “A solidariedade universal é para nós não só um facto e um benefício, mas também um dever” (PP 17).
A relação entre direitos e deveres é hoje uma questão mal resolvida. É certo que há uma carga histórica que limita a nossa serenidade neste debate: durante séculos e séculos só se falou e admitiam deveres. As pessoas só tinham deveres. E pior ainda: havia uma espécie de “cascata” de deveres, porque não era impensável a mobilidade social. As sociedades eram desiguais, tendo como regra estruturante “cada macaco no seu galho”, uma regra tão profundamente interiorizada que ninguém se atrevia a pô-la em causa, porque “era assim!”. Atrevido que ousasse saltar alguma dessas barreiras sociais podia pagar com a vida a sua ousadia. A própria Igreja sacralizara essa desigualdade: “A Igreja é, por essência, uma sociedade desigual, ou seja, compreende duas categorias de pessoa: os pastores e o rebanho; os que ocupam um posto nos diferentes graus da hierarquia e a multidão dos fiéis. Estas categorias são de tal modo distintas que só no corpo pastoral residem o direito e a autoridade necessários à promoção e direcção de todos os membros para o fim da sociedade. Quanto à multidão, não tem outro direito senão o de se deixar conduzir e de, como dócil rebanho, seguir os seus pastores” (Pio X, encíclica Vehementer Nos; 11.Fev.1906).
Por isso, não admira que, devido ao movimento pendular, que caracteriza o avanço da História, se tenha passado para o tempo dos direitos. Agora os cidadãos consideram que só têm direitos. De deveres nem querem ouvir falar. E isto acarreta graves deficiências não só na organização da sociedade mas também no são desenvolvimento da pessoa: “Hoje, muitas pessoas tendem a alimentar a pretensão de que não devem nada a ninguém, a não ser a si mesmas. Considerando-se titulares só de direitos, frequentemente deparam-se com fortes obstáculos para maturar uma responsabilidade no âmbito do desenvolvimento integral próprio e alheio”.

Esta mentalidade, que pontifica em muitas sociedades modernas, sobretudo as latinas, tem de ser repensada pois conduz, quase automaticamente, à irresponsabilidade, à baldice, à corrupção, ao desprezo pelo bem comum: “Por isso, é importante invocar uma nova reflexão que faça ver como os direitos pressupõem deveres, sem os quais o seu exercício se transforma em arbítrio”. Aqui remete para a Mensagem para o Dia da Paz de 2003 de João Paulo II: “Na realidade, é o dever que estabelece o âmbito dentro do qual se hão-de conter os direitos para que o seu exercício não se transforme em arbítrio” (5).
É também inspiradora de Bento XVI uma outra passagem deste número, no qual João Paulo II denuncia “a hesitação bastante frequente da comunidade internacional no seu dever de respeitar e aplicar os direitos humanos. Este dever engloba todos os direitos fundamentais, não permitindo escolhas arbitrárias que conduziriam a formas reais de discriminação e de injustiça. Ao mesmo tempo, somos testemunhas dum fosso preocupante que se vai alargando entre uma série de novos «direitos» promovidos nas sociedades tecnologicamente avançadas e os direitos humanos elementares que ainda não são respeitados sobretudo em situações de subdesenvolvimento; penso, por exemplo, no direito à alimentação, à água potável, à casa, à autodeterminação e à independência”.
Esta relação entre direitos e deveres foi uma das grandes insistências de João XXIII: “Por conseguinte, os que reivindicam os próprios direitos, mas se esquecem por completo de seus deveres ou lhes dão menor atenção, assemelham-se aos que destroem com uma das mãos o que constroem com a outra” (PT 30).

Bento XVI, olhando o nosso tempo, verifica que se mantém esse “fosso preocupante”: “Assiste-se hoje a uma grave contradição: enquanto, por um lado, se reivindicam presumíveis direitos, de carácter arbitrário e libertino, querendo vê-los reconhecidos e promovidos pelas estruturas públicas, por outro existem direitos elementares e fundamentais violados e negados a boa parte da humanidade”.

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