divórcio ou casamento eterno?...

2010-03-02

CinV (96) Desenvolvimento (nº 42)

O desenvolvimento está em particular destaque neste capítulo III, porque aparece logo no título e porque, sem grandes explicitações, vai sendo repetido ao longo do capítulo, pelo menos, 14 vezes. Destas, gostaria de destacar duas.
A primeira já a referi na devida altura: “O desenvolvimento económico, social e político precisa, se quiser ser autenticamente humano, de dar espaço ao princípio da gratuidade como expressão de fraternidade“ (34).
A outra, que vem neste nº 42, introduz um aspecto que gostaria de aprofundar um pouco mais: “Durante muito tempo, pensou-se que os povos pobres deveriam permanecer ancorados a um estádio predeterminado de desenvolvimento, contentando-se com a filantropia dos povos desenvolvidos. Contra esta mentalidade, tomou posição Paulo VI na Populorum progressio”.

A PP, que pretendeu ser um comentário actualizado ao capítulo III da II Parte da GS, aparece apenas 15 meses depois desta constituição conciliar, num tempo de rápidas modificações, nomeadamente o aumento de desigualdades entre os países ricos e pobres. Mas sobretudo, por uma diferente compreensão do subdesenvolvimento e das suas causas.
Até aí predominava a chamada "tese da descolagem (take-off)", apresentada por W. Rostow, em 1960, e que poderia resumir-se de um modo simplista assim: todos os países passam historicamente pelas mesmas fases, isto é, os países mais "atrasados" só teriam que esperar um pouco mais para atingirem a fase dos países mais "avançados". Sei que estou a simplificar muito, pois Rostow falava de cinco etapas: a sociedade tradicional (traditional society); as pré-condições para o arranque ou a descolagem (transitional stage – the preconditions for takeoff); o arranque propriamente dito (take off); a marcha para a maturidade (drive to maturity); e, finalmente, a era do consumo de massa (high mass consumption). Esta tese era já muito criticada na década de 60. Entretanto ia ganhando terreno, sobretudo na América latina, a "teoria da dependência" que introduz uma relação de causalidade entre o desenvolvimento de uns e o subdesenvolvimento dos outros: este é consequência mas também condição necessária daquele. Não é possível o desenvolvimento de uns países sem a exploração, veiculada por mecanismos económicos internacionais, de outros.

A doutrina social da Igreja já antecipara esta mudança com as intuições de João XXIII (penso que já aqui falei das condições deste grande Papa que não dispunha ainda de meios adequados, na sua época para descrever as suas intuições). O Concílio avançou um pouco mais, mas foi Paulo VI que claramente pôs em causa a teoria do take-off e aderiu, sem o nomear, à teoria da dependência. Fê-lo com um brilhantismo e clareza tais que a sua encíclica Populorum Progressio foi classificada por muito “boa gente” de “vermelha”, isto é, comunista. Mesmo assim, os fundamentos de Paulo VI eram ainda muito de natureza sociológica e antropológica.
João Paulo II introduz os fundamentos teológicos, particularmente no IV capítulo da Sollicitudo rei socialis, onde condena a “ordem querida pelos homens” como contrária à “ordem desejada por Deus”. Assim sendo, todos somos chamados a combater esta organização humana, que se baseia em “mecanismos perversos” (SRS 16, 35, 40) e em “estruturas de pecado” (SRS 36 (4 vezes), 37 (2 vezes), 38, 39, 40) que as pessoas alimentam por vários processos e atitudes de corrupção e exclusão: “Pois bem: a Igreja, quando fala de situações de pecado ou denuncia como pecados sociais certas situações ou certos comportamentos colectivos ou de grupos sociais, mais ou menos vastos, ou até mesmo de nações inteiras e blocos de nações, sabe e proclama que tais casos de pecado social são o fruto, a acumulação e a concentração de muitos pecados pessoais. Trata-se dos pecados pessoalíssimos de quem gere ou favorece a iniquidade ou dela desfruta; de quem, podendo fazer alguma coisa para evitar, eliminar ou, pelo menos, limitar certos males sociais, deixa de o fazer por preguiça, por medo e temerosa conivência, por cumplicidade disfarçada ou por indiferença; de quem procura escusas na pretensa impossibilidade de mudar o mundo; e, ainda, de quem pretende esquivar-se ao cansaço e ao sacrifício, aduzindo razões especiosas de ordem superior. As verdadeiras responsabilidades, portanto, são das pessoas” (RP 16).

Bento XVI conclui este tema neste capítulo assim: “ Hoje, as forças materiais de que se pode dispor para fazer aqueles povos sair da miséria são potencialmente maiores do que outrora, mas acabaram por se aproveitar delas prevalentemente os povos dos países desenvolvidos, que conseguiram desfrutar melhor o processo de liberalização dos movimentos de capitais e do trabalho. Por isso a difusão dos ambientes de bem-estar a nível mundial não deve ser refreada por projectos egoístas, proteccionistas ou ditados por interesses particulares. De facto, hoje, o envolvimento dos países emergentes ou em vias de desenvolvimento permite gerir melhor a crise”.

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