divórcio ou casamento eterno?...

2010-10-08

CONSCIÊNCIA COMUNITÁRIA

Um amigo enviou-me a entrevista de Frei Ventura (FV) à SIC.
Foi uma lufada de ar fresco. Foi bom ouvir alguém que fala outra linguagem diferente dos comentadores que sistematicamente vão às televisões, que falam de tudo e tudo sabem, que falam do que pensam que sabem mas que nunca acertam, que não dão sugestões nem fazem propostas para uma sociedade mais justa e solidária, que não estimulam nem incentavam sedutoramente à mobilização de todos.
Era bom que mais profetas fossem chamados à televisão, em vez de tantos economistas, tantos opinion makers que já estamos fartos de ouvir, tantos políticos em que cada um olha para o seu (do partido) umbigo e não para o bem global do povo português. É bom que eles defendam os seus programas, mas os seus programas são sempre sectoriais e parecem muitas vezes sectários (no sentido etimológico, de seita). Mas são estes peritos, de todas as áreas, que são chamados continuamente, quase nunca deixando tempo para os profetas.
Gostei muito de o ouvir FV e, por isso, gostaria de deixar duas notas: uma sobre uma ideia que esteve sempre subjacente, mas que acho que não foi devidamente vincada e outra sobre uma “falha”.

1. É incontornável, sem cair em generalizações injustas, a crítica aos políticos, governantes e “de todos os quadrantes”. Mas acho que, sobretudo neste momento, é fundamental insistir também e até talvez mais na responsabilidade dos cidadãos. É correcto, mas também é muito libertador para a nossa consciência acusar os políticos. É correcto que os políticos devam ser responsabilizados e seriamente julgados pelo que fazem. Citou o exemplo da Irlanda e era bom que ele pegasse. Mas também seria bom tê-lo citado relativamente ao comportamento cívico de todos os cidadãos.
Acho, pessoalmente, que os maiores culpados somos nós, os cidadãos que não somos “cidadãos”, que, como FV disse, juntamos o fado ao messianismo, que achamos que são os outros que devem resolver os nossos problemas, que apontamos o dedo a todos menos a nós próprios, que temos também opinião sobre tudo mas não fazemos nada, que estamos preocupados primariamente com os nossos interesses pessoais, que tornámos a nossa sociedade fortemente corporativista, que defendemos, com unhas e dentes, os “privilégios adquiridos” da nossa tribo e que achamos que são as outras tribos que devem pagar a crise.
Claramente, como já o escrevi várias vezes, que temos falta de líderes e que este “inverno de líderes” é uma catástrofe a nível nacional e mundial. Mas eu gostaria de, com FV, recordar a frase do Kennedy: "Não perguntes o que faz o teu país por ti, mas o que fazes tu pelo teu país", que também cito muitas vezes. Mas já quanto à sua citação de Camões ("Que um fraco Rei faz fraca a forte gente" Os Lusíadas III,138,8), estou cada vez mais inclinado a inverter a ideia: “Que uma fraca gente faz um fraco Rei”.
Subscrevo por inteiro a sua proposta de despedir os políticos profissionais por profissionais (tecnicamente (inteligência) competentes, eticamente (vontade) irrepreensíveis e emocionalmente (coração) sensíveis aos outros, ao bem comum) políticos. Mas como se faz isso? Não sei como é. O que ssei é que os nossos actuais políticos saem da sociedade que todos nós alimentamos com os nossos estilos de vida, saem do meio de nós. Os nossos políticos não são piores que nós: são iguais a nós, ou, pelo menos, são iguais à média dos cidadãos portugueses, sobretudo do ponto de vista ético.
É por isso que eu digo se não começarmos por mudar a sociedade, e isso não está só nem principalmente na mão dos políticos, não vamos a lado nenhum. Porque, desculpem a violência, mas somos um país em que predominam os oportunistas, os medrosos e os cobardes. É a isto que chamo a “fraca gente” que só pode fazer sair do seu seio “um fraco Rei”.

2) Fez bem em lembrar o papel fundamental de tantos padres, religiosos e leigos que estão, quais samaritanos, junto dos carenciados de pão, de esperança, de sentidos de vida. Eles são o Deus invisível que passa na “brisa suave”(cf. 1Rs 19,11-12), são a ternura de Deus que ama de graça, junto desses esquecidos da nossa sociedade exclusógena, isto é, esquecidos por nós, por ti e por mim.
Infelizmente os que testemunham esta ternura do nosso Deus são uma minoria. E isto tem também de ser denunciado. A maior parte não passa de “oportunistas” que procuram comprar (não vivemos nós numa sociedade mercantilista!?) o Reino dos céus com idas à missa, uma esmolinha para os pobres ou um gesto de solidariedade aos soluços, isto é, não como estilo de vida mas ao ritmo das catástrofes. Mas que não o fazem nem para testemunhar a ternura misericordiosa de Deus que é Pai de todos e está em todos especialmente nos mais pobres (crentes) nem para se colocar aos serviços dos outros e com os outros (cidadãos).
Eu (como muitos) conheço gente na Igreja que fala assim,de modo diferente, mas raros são os que vivem coerentemente com o que dizem. Não julgo ninguém, apenas recordo que só entrarão no Reino dos céus “os que fizeram isto” (matar a fome, a sede, visitar na cadeia e no hospital, vestir os nus, dar saúde aos cegos e coxos e levar a Boa Nova – “Deus ama-te de graça” - a todos os desesperados da vida).

Termino com duas perguntas.

1) Será que estamos condenados a não passar de um “Resto”, de que falavam os Profetas? Mas ai de nós, os outros, para quem há palavras muito duras e solenes: “Ouvi isto, vós que esmagais o pobre e fazeis perecer os desvalidos da terra, dizendo: ‘quando passará a Lua Nova para vendermos o nosso trigo e o sábado para abrirmos os nossos celeiros, diminuindo o peso (efá) e aumentando o preço (siclo) e falseando a balança para defraudar? Compraremos os necessitados por dinheiro e o pobre por um par der sandálias e venderemos até as alimpas do nosso trigo’. O Senhor jurou sobre a soberba de Jacob: não esquecerei jamais nenhuma das suas obras” (Am 8,4-7).

2) Será que não nos atormenta aquela pergunta de Jesus: “Mas, quando o Filho do Homem voltar, encontrará fé sobre a terra? (Lc 18,8)? Aqui fica uma contextualização da frase para quem ache que isto é uma brincadeira de Jesus. A frase é escrita por Lucas para a sua comunidade que viveu várias décadas depois da morte de Jesus: “Lucas anima os crentes a permanecer fiéis ao Senhor mesmo quando a fé vai perdendo importância na sociedade. O atraso da vinda do Senhor e a hostilidade do mundo que rodeava a comunidade lucana tinham apagado o entusiasmo da fé. A pergunta transforma-se assim numa exortação a preservar na fé” (Comentário La Casa de la Biblia, p.239).

0 Comentários:

Enviar um comentário

<< Home