divórcio ou casamento eterno?...

2010-10-05

A República constrói-se

Não sou um grande fã destas ou doutras comemorações, sobretudo se se ficam por manifestações epifenoménicas, quantas vezes sem qualquer repercussão no crescimento de uma cidadania responsável.

A República aparece num contexto histórico da evolução da humanidade, como outros regimes anteriores e certamente outros futuros. É uma mudança de paradigma, como outros houve antes e outros haverá depois. Muitos problemas surgem aos povos quando cristalizam ou se deixam mumificar numa dada organização social. A incapacidade de acompanhar o ritmo da História só traz dissabores, por vezes, bem dolorosos. O que vivemos hoje em Portugal (e não só) é um bom exemplo. Falta-nos criatividade para “explorar” ao máximo as potencialidades e temos demasiada inércia para nos deixarmos explorar pelas debilidades de um regime, que, e porque é humano, é sempre uma mistura de aspectos positivos e negativos. Esta ambiguidade não é boa nem má, faz parte intrínseca de tudo o que é construído pela humanidade e por cada pessoa em particular. Característica tão evidente que acaba por ofuscar a sua existência e nos leva tanto aos píncaros do orgulho legítimo como nos arrasta para o inferno do desânimo, da desistência e da inacção.
Vivemos na História e vivemos a História, uma História de que toda a humanidade é agente, muito mais visível nesta época de globalização. Isto para dizer que de nada valem as lamentações, os miserabilismos, os “cruzar de braços”, que apenas têm um efeito corrosivo sobre o compromisso empenhado, a única solução para construir a História.

Curiosamente as Leituras de domingo passado colocam muito estas questões, pelo menos aos cristãos e crentes em geral. Habacuc faz-se porta-voz de muitos crentes: “Até quando clamarei contra a violência e não me enviais a salvação? Porque me deixais ver a iniquidade e contemplar a injustiça?” (1,2-3). E lá continua com as lamúrias. É tão fácil delegar a “salvação” nos outros. É tão fácil ficar de braços cruzados à espera que os outros resolvam as dificuldades e os desafios do dia a dia. É tão fácil atirar as responsabilidades para cima dos outros. É tão fácil ignoramos não só as nossas responsabilidades mas também as nossas culpas neste estado de coisas.
É, por isso, e agora falo para os meus irmãos cristãos, que Deus está cada vez menos visível nesta sociedade. Porque somos nós, pessoal e comunitariamente, que lhe devemos dar visibilidade na luta contra as injustiças, no combate contra as violências, no exercício da solidariedade e do cuidado do outro, de todos os outros, especialmente os mais esquecidos. O mundo não fica melhor se eu apenas pedir a Deus que o faça melhor. O mundo fica melhor quando eu me assumo como o representante e o instrumento de Deus e luto por um mundo melhor. Aliás era o que nos dizia o Evangelho ao recordar que “somos inúteis servos (porque) fizemos o que devíamos fazer” (Lc 17,10). Desta expressão violenta retiraria duas conclusõess:
- ninguém pode vangloriar-se de já ter feito o suficiente por muito que tenha feito; há sempre mais para fazer: o mundo e a História estão em construção e em construção contínua e interminável;
- este trabalho não pode ser feito para ser “remunerado”, não implica recompensa em termos de justiça, mas sim em termos de graça e de dom: na vida cristã tudo é graça, tudo é dom, e porque tudo recebemos de graça, tudo devemos dar e fazer de graça.

Isto também se aplica à sociedade civil porque todos somos (devemos ser) servidores públicos. E das duas uma: ou vivemos segundo a lógica do dom e da graça (o que não significa que cada um não deva ser remunerado segundo a justiça e a função que desempenha honestamente) ou nos arrastamos enlameados pela lógica da ambição ilícita, da corrupção ou do dinheiro que quero receber, justa ou injustamente, ao fim do mês, independente da minha dedicação, do meu empenho, da minha criatividade, do meu sentido de servir e cuidar dos outros. Também aqui temos muitos exemplos para perceber a escolha dos portugueses.

E termino com a segunda Leitura de domingo: “Deus não nos deu um espírito de timidez, mas de fortaleza, de caridade e de bom senso” (2Tim 1,7). Dar, deu; nós é que não o aceitámos. Porque se o tivéssemos aceitado, faríamos o que S. Paulo recomenda: “Portanto, não te envergonhes de dar testemunho de Nosso Senhor”.
Pois… Sem disso darmos conta, a nossa vida, exceptuando a ida à missa e outros rituais mais ou menos rotineiros, é um exercício de vergonha de testemunhar Jesus Cristo e os valores do Reino de Deus. Vergonha, bastantes vezes, na palavra, mas sobretudo nos nossos actos.
E por isso, Deus é tão esquecido por esta sociedade, que só vê uns cristãos, na sua maioria apenas preocupados com os seus problemas pessoais e internos da sua comunidade eclesial e uma hierarquia em cujas intervenções predominam não só proibições e condenações mas também uma certa demonização de um mundo que esperava não “profetas de desgraças” mas “agentes da misericórdia” de Deus, como tanto desejou João XXIII na abertura do Concílio.

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