divórcio ou casamento eterno?...

2010-10-16

Mineiros do Chile (1)

A propósito desta acção verdadeiramente espectacular a que pudemos assistir em directo escrevi dois artigos - um, mais genérico, para a revista Além-Mar e outro, mais específico, para o semanário Correio de Coimbra - que gostaria de partilhar com os amigos que aqui me visitam.
Hoje reproduzo o que irá sair para o mês que vem na revista missionária:   

“DEMASIADO GRANDE PARA FALIR”
Neste momento em que os mineiros chilenos acabam de ser resgatados, para lá do sentimento de alegria e emoção, da admiração pela coragem dos mineiros e da capacidade da nossa inteligência, para lá de muitos outros factores que alimentam a nossa esperança na capacidade do género humano, vislumbrámos como a globalização pode ser realmente um bem para a humanidade. Neste momento todos nos sentimos chilenos e todos, portanto, nos sentimos irmãos de uma única e mesma família, em que a fraternidade esteve realmente presente: todos, cada um no seu âmbito, puxámos para o mesmo lado. E é esta conjugação de esforços que tem faltado. Mas este acontecimento veio mostrar que se tem faltado não é porque não sejamos capazes de tal fraternidade, mas simplesmente porque não temos “vontade política” (de polis, “cidade”, portanto cívica) para a pôr em prática e porque não temos a “vontade moral” suficientemente forte para nos mantermos fiéis a um ideal, a uma conversão dos nossos estilos de vida, para superar o desespero de quem não vê os resultados “logo ao virar da esquina”, para nos empurrar, com coragem e determinação, para a frente, mesmo nos momentos em que o desânimo e a angústia nos fazem perder ou ignorar a esperança.
A humanidade percebeu, neste acontecimento, visto em directo, que tem capacidades enormes para resolver problemas tão complexas como este ou como ida do homem à Lua. O que possivelmente não percebeu ainda é que essa sua capacidade pode também servir para salvar milhões de pessoas que morrem de fome e de doenças perfeitamente curáveis. E enquanto não o perceber e não o puser em prática, somos dominados pelo lado negro da globalização.
Da globalização económica todos conhecemos os seus efeitos perversos. Mas também não chega uma globalização “política”, que assenta nas resoluções da ONU ou doutros organismos internacionais, mas que depois, muitas vezes, não passam do papel: “A sociedade cada vez mais globalizada torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos. A razão, por si só, é capaz de ver a igualdade entre os homens e estabelecer uma convivência cívica entre eles, mas não consegue fundar a fraternidade” (CinV 19). Do que efectivamente precisamos é da globalização da solidariedade e da fraternidade: esta vai progredindo, mas tão lentamente que quase passa despercebida.
Bento XVI congratulou-se, no Parlamento inglês, com o compromisso do Reino Unido de “destinar, até ao ano de 2013, 0,7% da renda nacional a favor das ajudas ao desenvolvimento”. Este compromisso, que foi uma proposta da ONU, já “tem barbas” e pouquíssimos cumpriram. O Papa reconhece que há “sinais positivos de um aumento da solidariedade para com os mais pobres”, mas lamenta que tão pouco se faça: “Para traduzir esta solidariedade em obra eficaz são necessárias ideias novas, que melhorem as condições de vida em campos importantes como a produção dos alimentos, a purificação da água, a criação de postos de trabalho, a formação, a ajuda às famílias, especialmente dos migrantes, e os serviços médicos básicos. Quando a vida humana está em jogo, o tempo torna-se sempre breve”. E fez a acusação que todos fazemos: “O mundo tem sido testemunha dos vastos recursos que os Governos são capazes de reunir para salvar instituições financeiras consideradas «demasiado grandes para falir». Contudo, o desenvolvimento integral dos povos não é menos importante: trata-se de um empreendimento digno da atenção do mundo, verdadeiramente «demasiado grande para falir»”.
Este problema de escala é dramático: “o que é demasiado grande para não falir?”. A resposta só pode vir de critérios éticos, que assentem na centralidade da pessoa, de cada pessoa, do Norte ou do Sul, rica ou pobre. Com as pessoas, não pode haver problemas de escala, porque uma pessoa não vale mais que duas. Cada pessoa é única e irrepetível. As pessoas assassinadas nas Torres Gémeas de Nova Iorque não valem mais que as pessoas massacradas no Ruanda ou no Médio Oriente. Os números perdem sentido, têm de perder sentido, quando está em jogo a vida humana. E nós todos concordamos com isso. Este acontecimento do Chile veio prová-lo: se olhássemos só para os números, o que são 33 em tantos milhões de pessoas?
A pessoa, cada pessoa, não tem preço, “não é um número, não é um anel de uma cadeia, nem uma peça da engrenagem de um sistema” (ChL 37). Não pode ser contabilizada assim. Não! A pessoa está no centro, ou melhor, no vértice da pirâmide da hierarquização das prioridades.
Por isso, é a única que é “demasiado grande para falir”.

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