divórcio ou casamento eterno?...

2010-11-29

VIGIAI, POIS…

Talvez nunca como hoje, a Palavra deste domingo, o primeiro do Advento, é tão oportuna e apropriada ao momento que vivemos.

O Evangelho parece descrever muito do que fomos fazendo. Basta substituir a palavra “dilúvio”, por “crise”, ou até nem seja necessário, porque não pode haver maior crise do que um dilúvio universal: “Nos dias que precederam o dilúvio (a crise), comia-se, bebia-se, os homens casavam e as mulheres eram dadas em casamento … e não deram por nada até chegar o dilúvio (crise), que a todos arrastou” (Mt 24,37-39)
Não foi isto que todos fizemos? Mesmo aqueles que já previam a crise, mesmo os que já notavam ou dizem que notavam sinais da tormenta que aí vinha, do dilúvio de bancos em falência, de injecções enormes de capitais que deixaram os Estados quase na bancarrota, de milhares de empregos destruídos, de muitas centenas de milhares de pessoas a passar fome. Todos comíamos e bebíamos, isto é, todos gastávamos o que tínhamos e não tínhamos, na inconsciência e na crença de que nada nos podia atingir: “Não demos por nada até chegar a crise que a todos arrastou”.

A segunda leitura merece ser citada quase na íntegra: “Sabeis em que tempo vivemos” (Rom 13,11). Começamos a saber o tempo em que vivemos. Alguns ainda pensam que o pico da crise já passou. Mas estão redondamente enganados. A crise só agora vai começar a doer, a sério, para todos, excepto para alguns abutres que vão engordar com a carne dos que vão morrendo. Até agora foi só para alguns. E, apesar de, por exemplo, há já dois anos, todos sabermos que era uma previsão realista ultrapassarmos os 11% de desempregados, os não afectados pela crise atirámos isso para o baú das previsões dos economistas, que tão poucas vezes acertam. Pensávamos estar a salvo numa qualquer Arca de Noé e continuámos a “comer e a beber”, a casar e a descasar, a gozar (no mau sentido) a vida. E a crise chegou sem darmos por nada. Só agora que sentimos a água a chegar-nos aos pés é que começamos a acreditar que ela vai mesmo subir até sabe-se lá onde, esperando, apenas, que não nos tape a boca nem o nariz para ao menos podermos respirar.

Mas este é o dia da esperança: as soluções aparecem nas três leituras. Talvez por isso, o salmo seja um hino de alegria: “Que alegria, quando me disseram: «Vamos para a casa do SENHOR!» Os nossos pés detêm-se às tuas portas, ó Jerusalém! Jerusalém, cidade bem construída, harmoniosamente edificada. Para lá sobem as tribos, as tribos do SENHOR, segundo o costume de Israel, para louvar o nome do SENHOR. Nela estão os tribunais da justiça, os tribunais da casa de David. Fazei votos em favor de Jerusalém: «Prosperem aqueles que te amam; haja paz dentro das tuas muralhas, tranquilidade nos teus palácios.» Por amor dos meus irmãos e amigos, proclamarei: «A paz esteja contigo!» Por amor da casa do SENHOR, nosso Deus, pedirei o bem-estar para ti” (Sl 121).

Mas vamos às soluções.
S. Paulo dá-nos uma receita: “Já é hora de acordardes do sono… Como quem vive em pleno dia, comportemo-nos honestamente: nada de comezainas e bebedeiras, nada de devassidão e libertinagens, nada de discórdias e invejas” (Rom 13,11.13). Nada de comezainas consumistas e depredadoras de bens tão necessários a outros, quais Lázaros rondando as nossas portas à espera de uma mísera migalha; mas vamos praticar a sobriedade e uma rigorosa gestão dos nossos bens, não só dos dinheiros, mas do tempo, dos talentos, das competências ao serviço de todos. Nada de devassidões, do “vale tudo”, do “problema não é meu”, do “faço do que é meu o que quero”, mas da partilha, da gratuidade da ética do cuidado do outro, que faz parte da mesma comunidade que eu. Nada de discórdias, do querer ultrapassar indevidamente o outro, de tomar atitudes geradoras de mau ambiente, da recusa em dar a cada um o lugar que justamente lhe compete, nada de nomeações de amigos incompetentes, nada de jogos de poder e manobras de corrupção, mas antes a prática da fraternidade onde todos assumem o lugar que lhes compete por direito e não por cunha, por mérito e não por conivências inaceitáveis. Em resumo: “Despojemo-nos, por isso, das obras das trevas e revistamo-nos das armas da luz”. Só assim “a noite (da crise) se aproximará do fim e a claridade do dia (de uma sociedade consistente e à medida da pessoa) se aproximará” (Rom 13,12)
Isaías apresenta-nos a mesma solução mas por meio de uma belíssima imagem: “transformar as espadas em relhas de arados, e as lanças, em foices” de modo que uma nação (cada pessoa) não levantará a espada contra outra, e ninguém se adestrará mais para a guerra” (Is 2,4-5). Vamos, pois, acabar com este ambiente doentio que se abateu sobre a nossa sociedade, onde parece que sempre olhamos os outros como um inimigo, se possível a abater, como um competidor perigoso, que pode vir a ocupar um posto de trabalho que seria meu. Vamos criar um ambiente de amor e não de ódio, de fraternidade e não de inimizade, de gratuidade e não de ganância.
S. Mateus aponta um outra ajuda: temos de estar atentos de modo a não cair nestas tentações todas que acabei de referir. Elas são tão subtis, aparecem tão subrepticiamente e irrompem quando menos esperamos. Portanto, “vigiai, pois, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor. Ficai sabendo isto: Se o dono da casa soubesse a que horas da noite viria o ladrão, estaria vigilante e não deixaria arrombar a casa. Por isso, estai também preparados” (Mt 24,42-44) porque nunca sabemos o dia nem a hora, tal é a interiorização dos nossos hábitos egoístas e hedonistas.
Se estivermos todos vigilantes, não só teremos controlo sobre os nossos “maus hábitos”, como poderemos evitar ou pelo menos denunciar muitos erros e falhas públicas de cidadãos, chefias intermédias, autarcas e governantes em geral. Estar vigilante não é uma mentalidade pidesca, de quem pela calada da noite denuncia na mira de obter vantagens pessoais. É defender e construir uma sociedade melhor, em que todos contribuam, começando por perceber as nossas falhas, a imoralidade dos “privilégios adquiridos”, continuando, depois, na luta por uma sociedade menos corrupta, em que as obras públicas não derrapem, em que os dinheiros de todos sejam correctamente aplicados e justamente distribuídos, tudo isto em nome do bem comum. O pide era um homem que só pensava nos seus interesses. O vigilante é um cidadão que só quer o bem de todos e para isso se dispõe a emendar-se e a denunciar o que está mal na sociedade e nas pessoas.

“Caminhemos à luz do SENHOR” (Is. 2,5). Esta fórmula é geral, porque não está lá “Caminhemos à luz da Igreja”. Caminhar à luz do Senhor é caminhar à luz de princípios universais, é pôr “a pessoa acima do sábado” e aceitar o “primado da pessoa sobre o trabalho” e do trabalho sobre o capital, assumindo que é a pessoa que dá dignidade e não o trabalho que ela exerce.
É que SENHOR há só um, que se traduz em muitos caminhos: católicos, protestantes, judeus, muçulmanos, crentes em geral, ateus. Só os indiferentes, os amorfos, os parasitas da sociedade, é que não sabem caminhar neste caminho.
Todos os outros o fazem, segundo a sua perspectiva de Senhor.

Ao proceder assim, poderemos dizer como o Salmista: “Por amor dos meus irmãos e amigos, proclamarei: «A paz esteja contigo!» Por amor da casa do SENHOR, nosso Deus, pedirei o bem-estar para ti” (Sl 121).

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