divórcio ou casamento eterno?...

2010-12-08

Cuidar do Outro

Hoje tenho duas histórias verdadeiras para contar.
Há algum tempo, um amigo meu tinha o pai, já velhinho, bastante mal. A idade também já era muita. E, pouco a pouco, a vida ia-se-lhes esvaindo ao ritmo das tardes que caíam. Chegara ao Outono da vida e chegara para ele a época do cair da folha. Um dia, as coisas pioraram e ele dirigiu-se à médica de família, que, por acaso, vivia a cem metros de caminho, na mesma rua, pedir-lhe que viesse ver o que se podia fazer para aliviar s que pareciam os últimos sopros de seu pai. A senhora doutora disse que não naquele momento não podia, que não fazia consultas ao domicílio, e pegando nas palavras do Evangelho, ia desculpando-se “que tinha comprado um campo”, que “ia vender uma junta de bois”. Enfim decididamente não vinha ver um doente seu que agonizava a cem metros de distância da sua casa. Como boa cristã que certamente se sentia, todos os domingos passava à porta do doente para ir para igreja, todos os domingos se cruzava com a esposa do doente durante a celebração litúrgica. Não sei se lhe dava o abraço da paz, se não. Mas nunca lhe perguntou como estava o marido. É bem possível que conheça o Evangelho e que não se lembre do que diz S. Mateus: “Não é o que diz ‘Senhor, Senhor” que entrará no reino dos céus, mas o que faz a vontade de meu pai que está nos céus”. Também não sei nem quero julgar ninguém, o que será para ela o Reino dos céus e como se lá chega; os caminhos são múltiplos mas o mesmo Mateus faz uma seriação: tive fome, tive sede, estava na prisão, estava doente”. Mas nestas coisas, o que conta não é o que se sabe, mas o que faz. A parábola do samaritano é clara: não são os conhecedores das leis e dos ritos para aplacar Deus que são louvados, mas sim o pagão samaritano que não sabe nada de leis divinas nem de ritos religiosos, mas sabe que a um irmão em sofrimento só há uma coisa a fazer comover-se, entrar em simpatia com ele e “cuidar” dele.

Recentemente a viúva, com bastante dificuldade em deslocar-se, teve que ir a uma consulta. Com muita dificuldade lá foram os filhos levá-la de carro até à porta, lá conseguiu andar uma dezena de metros, apanhou o elevador (“e se não há elevador” era a sua grande preocupação!) e foi à consulta. O médico analisou a situação e disse-lhe: “precisa de uma pequena intervenção, mas neste momento não tenho no consultório o aparelho necessário para isso. Terá de cá vir outra vez”. A senhora resignada dispunha-se já a levantar-se, quando o médico olhando para “aquele irmão caído à beira da estrada” e disse: “Mas espere um bocadinho, eu vou a casa buscar o que me falta!”. E lá foi. Passada quase uma hora, parte gasta a arranjar estacionamento, lá voltou o médico. E rapidamente resolveu o problema. À saída, a filha agradeceu ao médico, que lhe respondeu: “também gostaria que alguém fizesse isto pela minha mãe!”.

Mas esta resposta é muito mais profunda. Porque mãe todos temos ou tivemos. E não é por fazer bem à mãe dos outros que os outros necessariamente farão bem à minha.
Esta resposta é uma resposta de “amor ao outro e ao outro em dificuldade”. É o que falta a muitos dos nossos profissionais e não profissionais, que embarcando na idolatria do dinheiro esquecem que as pessoas se não se alimentam também do amor – o amor que dão e o que recebem – acabarão por mirrar por dentro e ficar como os frutos secos que só têm casca.
É evidente que é preciso competência profissional (intelectual e/ou manual). Mas não basta. Se não envolveremos a “atenção do coração” e nos ficarmos apenas pela “atenção da inteligência”, isto é, se não houver associada uma “competência de coração”, também os competentes se podem transformar em competentes… robôs. E recordo palavras de Bento XVI: “A competência profissional é uma primeira e fundamental necessidade, mas por si só não basta. É que se trata de seres humanos, e estes necessitam sempre de algo mais que um tratamento apenas tecnicamente correcto: têm necessidade de humanidade, precisam da atenção do coração … Por isso, para tais agentes, além da preparação profissional, requer-se também e sobretudo a «formação do coração»” (Deus caritas est, 31).

O mundo bom ou mau somos nós que o fazemos. Mas seria cada vez melhor se cada um de nós fosse acrescentando todos os dias uma migalha de bondade.

Dia da Mãe
Espero que mãe desse médico esteja viva e de saúde e queria desejar-lhe o melhor do mundo para ela e para o filho.
E também para todas as mães, a começar pela minha. É que eu, como denúncia e repúdio por essa chuvada consumista com que a publicidade conspurca o “Dia Mãe” em Maio e, escorado na história, continuo a celebrar no dia de hoje (8 de Dezembro) o “Dia da Mãe”.
Embora, para mim, como para todos certamente, o Dia da Mãe é todos os dias.

Como sei que a minha mãe sempre gostou deste poema de Guerra Junqueiro, aqui lho deixo, embora ela já não consiga ler:

Minha mãe, minha mãe! Ai que saudade imensa,
Do tempo em que ajoelhava, orando, ao pé de ti.
Caía mansa a noite; e andorinhas aos pares
Cruzavam-se voando em torno dos seus lares,
Suspensos do beiral da casa onde eu nasci.
Era a hora em que já sobre o feno das eiras
Dormia quieto e manso o impávido lebréu.
Vinham-nos da montanha as canções das ceifeiras,
E a Lua branca, além, por entre as oliveiras,
Como a alma dum justo, ia em triunfo ao Céu!
E, mãos postas, ao pé do altar do teu regaço,
Vendo a Lua subir, muda, alumiando o espaço,
Eu balbuciava a minha infantil oração,
Pedindo ao Deus que está no azul do firmamento
Que mandasse um alívio a cada sofrimento,
Que mandasse uma estrela a cada escuridão.
Por todos eu orava e por todos pedia.
Pelos mortos no horror da terra negra e fria,
Por todas as paixões e por todas as mágoas…
Pelos míseros que entre os uivos das procelas
Vão em noite sem Lua e num barco sem velas
Errantes através do turbilhão das águas.
O meu coração puro, imaculado e santo
Ia ao trono de Deus pedir, como inda vai,
Para toda a nudez um pano do seu manto,
Para toda a miséria o orvalho do seu pranto
E para todo o crime o seu perdão de Pai!
A minha mãe faltou-me era eu pequenino,
Mas da sua piedade o fulgor diamantino
Ficou sempre abençoando a minha vida inteira
Como junto dum leão um sorriso divino,
Como sobre uma forca um ramo de oliveira!

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