divórcio ou casamento eterno?...

2010-12-27

Uma reflexão sobre o NATAL

Aqui vos deixo a minha crónica natalícia desta semana.


A DEUS NUNCA NINGUÉM O VIU
Dei comigo a ver e a pensar que o Natal cada vez me parece menos Natal. Será que o estamos a banalizar como uma qualquer festa, como aliás vamos banalizando tudo? Será porque passamos este tempo, apesar da crise, a gastar balúrdios em prendas inúteis, como se isso fosse sinal seguro da amizade e do amor que temos uns aos outros? Talvez não esteja a acontecer nada disto e seja o meu bilhete de identidade a tornar-me rabujento. Mas, devo confessar, que tive alguma dificuldade em viver por dentro a riqueza e a profunda espiritualidade do Natal. A culpa estará muito mais no meu aburguesamento. Mas o Natal mantém coisas muito lindas, como a reunião da família ou a multiplicação da solidariedade.
Seja como seja, neste Natal choquei mais uma vez com o Prólogo do Evangelho de João. E deste texto lindo e denso saltaram-me as palavras: “A Deus ninguém o viu”. Tantas vezes as li e até estudei com algum cuidado, mas hoje tornaram-se para mim muito actuais e interpelativas.

É evidente que a Deus nunca ninguém o viu nem verá aqui, porque Ele é o Invisível, o Indescritível, o Inimaginável. Ele é pura e simplesmente um Mistério, o Grande Mistério, em que tantas religiões se fundamentam sob os mais diversos nomes e onde os crentes de todos os credos vão buscar força, esperança, sentido de vida e sobretudo amor. Ele representa, seja para quem for, a dimensão transcendental da pessoa, uma dimensão que nos separa dos animais e do resto da natureza, uma ânsia profunda de que não podemos acabar no pó da terra, uma angústia existencial que este mundo é demasiado mesquinho para que seja a nossa morada definitiva, a inaceitável certeza de que este corpo, sem o qual não podemos comunicar com os outros nem receber nem fazer o bem, é tão limitado que não pode ser o sepulcro último de todos os sonhos e utopias que povoam, mesmo sem darmos por isso, o mais profundo de nós.

Mas, felizmente, que “o Filho Unigénito, que está no seio do Pai, O deu a conhecer”. Ao assumir em plenitude a condição humana, Deus irrompeu na história, na gruta de Belém, para nos explicar (“fazer a exegese” diz o original grego) do Pai. E veio mostrar que Ele é Amor, um amor comunicativo: “Amou de tal modo o mundo que enviou o seu Filho … para que o mundo seja salvo” (Jo 3,16-17). Assim nos ensina que ninguém ama sem fazer nada, ninguém ama só com palavras, que o amor exige cuidado, acolhimento, atenção, misericórdia, compaixão, no bom sentido. Assim nos ensina que o amor dá prioridade à pessoa sobre as coisas, sejam elas dinheiro, leis, éticas, doutrinas, normativas religiosas, nem o “sábado”, o símbolo sagrado pró excelência, foge a esta subordinação. Mas nós não queremos compreender ou aceitar isto. Parece-nos demasiado banal para um Deus que deve ser a Suma Transcendência. Mas Ele, por amor, veio mostrar-nos que se preocupa connosco não por sermos pecadores, mas sofredores. Ama-nos porque sofremos, não porque pecamos. Por isso, nos propõe a salvação, a libertação. Até deixou umas dicas aparentemente tão simples, mas tão exigentes que nós preferimos trocá-las pela facilidade de ir a uma missa dominical ou rezar um terço no mês de Maio. Mas Deus “apenas” nos pede que nos amemos como Ele ama, sem condições, de maneira universal, isto é, incluindo os nossos inimigos e sobretudo “aqueles que não merecem”, aqueles que nós pensamos que não merecem. Como se o amor tivesse, como os livros de contabilidade, um deve e um haver que, no final, deviam bater certos. Como se o amor fosse contabilizável. Mas o amor passa para lá da nossa aritmética caseira, pois é sempre a somar, sempre a dividir, sempre a multiplicar, mas nunca a subtrair. Na sua aritmética não existe a subtracção. Mas funciona melhor que todos os teoremas matemáticos, quando é praticado a sério.

Mas será que não podemos ver Deus? A Bíblia diz que “face a face” não é possível neste mundo. E mesmo o que vejamos é como se fosse num espelho baço. Mas voltemos a S. João, que faz uma acusação violentíssima: “Estava no mundo e o mundo, que foi feito por Ele, não O conheceu” e reforça esta acusação: “Veio para o que era seu e os seus não o receberam”. Está no mundo? Onde? Para os cristãos está na hóstia consagrada, nas Escrituras, nos sacramentos, esses consoladores Montes Tabor, onde é “tão bom estar aqui”. E ficamos tão tranquilos ou tão comodistas, que não o vemos onde Ele também está: na incerteza dos acontecimentos diários, não mistério das pessoas, mas sobretudo na cruz das vítimas da história. Sofre com os que sofrem e que perguntam por que me mandou esta doença: como se Deus quisesse o nosso sofrimento; esquecemos que somos limitados, que o nosso corpo tem peças que vão falhando; não foi Deus que me mandou um cancro, mas a evolução natural das minhas limitações e falta de cuidados saudáveis. Ele chora com os que choram, porque não pode fazer nada a não ser “chorar com”. É que o nosso Deus é um fraco, como tão bem o mostra o presépio, porque nos quis criar livres e não pode, amarrado por essa opção, obrigar-nos a fazer o bem ou a evitar o mal. O nosso Deus é sobretudo um fraco, porque está nos fracos, incarna em todos os que sofrem injustiças, desconsiderações, perseguições, exclusões. Ele está, Ele é todos esses. Não o vemos, porque não queremos. Porque aceitar que Ele está ali obriga-nos a adorá-lo no excluído, isto é, a tudo fazer para o incluir, o integrar, o acolher, no respeito absoluto pela sua dignidade inalienável de pessoa e de filho de Deus. Por isso, a maioria dos católicos O adora na hóstia consagrada mas O esquece, O despreza e até O humilha no necessitado que pede ajuda, no doente que suspira por uma visita, no angustiado que suplica silenciosamente por um ombro onde chorar ou um ouvido que o ouça, no desanimado que anseia por um sinal de esperança.

Afinal a Deus todos o podemos ver. Mas não queremos. E Deus não nos obriga.


PRESÉPIO

E, embora atrasado, aqui vai o Presépio de uma iluminura medieval, na convicção de que, apesar das dificuldades, o próximo ano possa ser vivida em paz, alegria e amor. Para tal, pelo menos todos devemos colaborar e partilhar os bens e os dons. Não basta, mas ajudará muito!

 

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