divórcio ou casamento eterno?...

2011-02-17

O TRABALHO MAIS IMPORTANTE DO MUNDO

No passado sábado participei numa tertúlia de amigos dedicada ao tema da Cidadania. Fui indigitado para a orientar. Depois de uma incursão histórica, terminei com quatro critérios que, devidamente vividos, contribuiriam significativamente para a mudança do nosso estilo de vida e da nossa organização social. Nada de novo. Foi apenas recordar o que todos sabemos: centralidade da pessoa, que implica uma ética do cuidado; construção do bem comum, que implica uma ética da fraternidade; reverenciação da natureza, que implica uma ética da solidariedade; dignificação do trabalho, que implica uma ética da responsabilidade. Como entretanto, tinha escrito a  minha ultima crónica sobre a dignificação do trabalho, aqui a deixo, até porque penso que, parecendo um tema menor, ele é fundamental para a dignidade da pessoas, para a organização mais justa e humana da sociedade e para a construção de futuro melhor e mais solidário com as gerações dos nossos filhos, netos e netos dos nossos netos.  

O TRABALHO MAIS IMPORTANTE DO MUNDO
Tive mais uma vez a agradável oportunidade de ouvir o Professor Bruto da Costa falar de pobreza. Como é sabido ele dedicou os últimos trinta anos a estudar esta realidade dolorosa, tendo desenvolvido alguns conceitos e desmontado alguns mitos. Vou deixar aqui alguns números que referiu, como ponto de partida para esta minha reflexão. Tendo seguido durante seis anos sempre as mesmas famílias, tirou, entre outras, as seguintes conclusões: 47% das famílias foram pobres pelo menos num desses anos. A distribuição dessas pessoas era assim: 31%, reformados; 44%, empregados e, repare-se, apenas 3% eram desempregados. Certamente que com a actual crise este pequeno número aumentou, mas as conclusões mantêm-se.
Se 44% dos pobres estão empregados, isto significa que não bastam as políticas sociais; são precisas sérias medidas e reformas económicas. E também mudança profunda de mentalidade.
O trabalho é vocação, é um chamamento ao desenvolvimento da pessoa mas também da sociedade. O desaproveitamento de muitas pessoas nesta função construtora resulta de não aceitarmos esta verdade, porque não fomos educados e não educamos nesse sentido. Usamos expressões corrosivas como “nunca mais é sábado”, “nunca mais chega o fim do mês” (para receber o dinheirinho!). E até muitos pais para justificar aos filhos que não podem ficar com eles, dizem a frase sacramental: “O papá (mamã) tem de te deixar porque vão ganhar o dinheiro para os teus brinquedos e a tua papinha”. Damo-nos conta que estamos a alimentar um “ambiente”que associa automaticamente a chatice do trabalho ao dinheiro, que é o dinheiro, e não o trabalho, o mais importante? O trabalho não é uma vocação; apenas um meio de ganhar dinheiro. Isto é, o importante é receber o salário, não é trabalhar. Por isso muitos trabalham o mínimo, fogem aos seus deveres laborais, fazem autênticas “greves de zelo”, sempre que não estão a ser vigiados. Pouco lhes importa que estejam a defraudar a sociedade e a sobrecarregar os colegas que têm de cobrir a sua baldice. É pelas mesmas razões que muitos ficaram infectados pela reformite aguda. A alguns até agradecemos a doença. Lamentamos que outros não tenham continuado, pois o seu muito saber é agora especialmente necessário. Condenamos as chefias que nada fizeram para os acarinhar e tenham criado condições tais que, por uma questão de dignidade e de respeito por si próprios, tiveram que ir-se. Mas na maior parte dos casos, o culpado foi o dinheiro: o dinheiro sempre o dinheiro. “Louvado seja o dinheiro!”. É por esta mesma razão que muitos preferem o subsídio de desemprego a trabalhar porque vão ganhar menos. Sempre o dinheiro a comandar. Somos escravos do dinheiro. Não percebemos que o trabalho é uma vocação, um meio de nos realizarmos como pessoa e de construir a sociedade. O dinheiro pode dar estatuto social, satisfazer hábitos e estilos de vida, por vezes, ilícitos, mas nunca “faz” a pessoa, até porque pelo dinheiro muitos vendem a alma, alimentam a corrupção, compram estatuto, desonram-se sem dar por isso ou sem lhe dar importância.
O trabalho é criação, como diz Paulo VI: “Deus, que dotou o homem de inteligência, de imaginação e de sensibilidade, deu-lhe assim o meio para completar, de certo modo, a sua obra: ou seja artista ou artífice, empreendedor, operário ou camponês, todo o trabalhador é um criador” (PP 27). Se todo o trabalhador é criador, por que é tratado pelo neoliberalismo reinante como um criado para quando for preciso (“a reserva do capitalismo”) e por que se considera o trabalho uma mera mercadoria? Legislação e empresas estimulam pouco esta faceta criadora, ou nem a reconhecem, salvo raras excepções. João Paulo II acusava uma sociedade assim de “não poder conseguir nem a sua legitimação ética nem a paz social” (CA 43). Também por isso temos tantos desempregados.
Desmentindo uma ideia quase universal, a dignidade não é dada pelo trabalho mas pela pessoa. Não se é mais digno por se ser catedrático universitário do que por se ser “mulher a dias”. A dignidade vem da pessoa, do modo como vive o seu trabalho, de investigador ou de arrumador, como uma vocação ou não. Até porque numa sociedade todos somos precisos. Alguém seria prémio Nobel sema ajuda de cientistas, técnicos, administrativos, empregados de limpeza? O que faria um empresário sem os trabalhadores, desde os mais qualificados aos menos instruídos? Conta-se que, quando Kennedy, ou talvez outro Presidente, visitou o Cabo Canaveral perguntou ao porteiro: “Então qual é o seu trabalho?”. E o funcionário, cheio de brio, respondeu-lhe: “Ajudo a colocar um homem na Lua!”. Isto é, eu, um simples porteiro, tenho a mesma responsabilidade que os “crânios” que ali dentro programam órbitas, quantificam combustível, definem locais de alunagem. É este espírito que nos falta: sentirmos que o nosso trabalho como o mais importante do mundo. Mas a pandemia da doutorite dá cabo de nós. Todos queremos ser doutores. Esses, sim, é que são importantes! Por isso andaram sindicatos e corporativismos a exigir equivalência a “doutores”, esquecendo-se alguns de que não passavam do exemplo vivo do ditado popular: “doutor é um burro carregado de livros!”.
Se todos acreditássemos e trabalhássemos sentido o nosso trabalho como o mais importante do sistema, quase certamente não estaríamos a passar por esta crise tão profunda.

2 Comentários:

Anonymous ana luiza disse...

eu pedi pra mi diser os trabalhos mais impoirtantes do mundo nao essa pocaria!!!!!!

6/5/12 19:22

 
Blogger Zé Dias disse...

Para já não me pediu nada, que eu me lembre, até porque nem sequer a conheço.
Mas já agora não posso deixar de comentar o seu sugestivo comentáro.
Porque as pessoas de um modo geral, e concretamente a Ana Luiza, não têm uma ideia nobre interiorizada sobre a grande dignidade do trabalho e nem procuram vivê-la no seu exercício de cidadãos responsáveis e conscientes, é que deixámos, todos nós, chegar as sociedades a este nível de desemprego imoralmente inaceitável e ainda temos que ouvir a porcaria de comentários com este.

7/5/12 11:59

 

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