divórcio ou casamento eterno?...

2011-03-03

0% de IVA, 100% de desonestidade

Sou um frequentador habitual de um dos supermercados do Pingo Doce, porque me fica “em caminho” e um pouco também porque tinha ouvido uma entrevista e lido várias coisas sobre o seu responsável máximo que me agradaram, embora ficasse com um ligeiro formigueiro porque quando se fala de moralismo (dos outros) é preciso muito cuidado com os nossos telhados de vidro.
Quando aconteceu a subida do IVA, ao passar pelo supermercado fiquei pasmado com a quantidade de cartazes em cada metro quadrado e de crachás por peito de funcionários e funcionários, nos quais se vendia a imagem de que ali ninguém pagava o aumento do IVA.
Pensei que era uma boa medida para atrair clientes. Mas pareceu-me exagerada tal profusão de cartazes e anúncios televisivos. Como sou burro em marqueting, interrogava-me sobre uma coisa muito simples: será que o aumento de clientes compensa o custo de tantos anúncios, cartazes e crachás e ainda a verba perdida com o não desconto do aumento do IVA? Na minha ingenuidade tinha que concluir que sim, pois ninguém trabalha para aquecer nem quer uma empresa para perder dinheiro. Ainda admiti que o que se perdesse aqui podia ser compensado pelo que ganhava noutras paragens.
Mas, com a rotina do andar dos tempos, nunca mais pensei nisso. Aliás tinha mais que fazer.
Um belo dia, o Pingo Doce irrompeu, por mero acaso, no meio de uma conversa que estava a ter com um grande amigo meu, e aproveitei para lhe perguntar como é que ele me respondia à questão acima referida: “É muito simples; não é o Pingo Doce que paga o aumento do IVA. São os seus fornecedores que são obrigados a suportar essa despesa”.
Não quis acreditar numa coisa dessas. Mas a pessoa era da máxima confiança. E eu fiquei dividido. Apeteceu-me escrever qualquer coisa denunciando esta falta de cidadania e de ética empresarial ou comercial. Mas só tinha a palavra do meu amigo e não quis escrever nada sem ter alguma prova que me tirasse todas as dúvidas.
Até que encontrei a mesma explicação no comentário semanal do Nicolau Santos, que leio demasiado religiosamente. É que, no meio de tanta palavra e pouca uva, os seus comentários sempre me ajudaram a perceber o que temos de bom e de menos bom neste país, além de me parecer suficientemente isento, já que o Expresso é um semanário que tem uma credibilidade invejável.
E o que diz Nicolau Santos sobre este empresário? Depois de louvar a sua postura na vida, o modo como conseguiu construir o seu império, o modelo empresarial que mantém o centro de decisão no país, tomou recentemente duas atitudes que “não estão à altura do seu comportamento empresarial eticamente irrepreensível”: 1) antecipar os dividendos do grupo para “sacanear” (esta palavra é minha) uns largos euros aos cofres do Estado, como muitos outros que eu considero moralmente “trafulhas”; 2) obrigar os fornecedores a pagar o aumento do IVA, sugerindo através de tanta papelada e anúncios que é a própria empresa que suporta esses custos para, naturalmente, não sobrecarregar os clientes.
Afinal é verdade.
Quando acreditamos que ainda há ética na economia, precisamos de fundamentar essa convicção em factos concretos e não em exercícios de fé na bondade das pessoas. Ora, como os exemplos não abundam nesta área, é importante para a nossa confiança num mundo mais ético e até para a nossa sanidade social, que, por poucos que sejam, eles se mantenham e resistam a vender a alma por um prato de lentilhas.
Claro que não vou crucificar ninguém. Não sou eu que posso atirar a primeira pedra. Mas é importante denunciar estes casos, até porque pode ser que a pessoa em causa reconsidere e não volte a cometer mais atentados à ética que sempre parece ter regido a sua vida.
Dois pecados podem perdoar-se. O que é uma perda irreparável é se estas duas atitudes são sinónimas de uma mudança de comportamento.
Enquanto estamos na casuística, o perigo não é grande. O que é desmoralizador para mim é quando os dois casos são apenas o começo de um plano inclinado que transforma um ou mesmo dois acidentes numa nova opção fundamental de vida.
Espero que tenha sido por distracção.
É que sem ética, resta-nos a selva.  

1 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Zé Dias: Obrigado pelo esclarecimento que, para mim, é importante.
FF

5/4/11 17:52

 

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