divórcio ou casamento eterno?...

2011-06-19

Deus compassivo e clemente

O Antigo Testamento é atravessado por várias concepções de Deus: umas terríveis e inaceitáveis para a nossa sensibilidade, mesmo não cristã; outras libertadoras de quem está sempre atento ao clamor dos mais débeis e toma a sua defesa e lhes oferece a libertação. Mas esta que refere hoje a Liturgia da Palavra, aborda a sua essência, a sua “maneira de ser”, a sua natureza, com as palavras que as nossas limitações humanas podem utilizar para descrever o Indiscritível: “compassivo e clemente, sem pressa para se indignar, cheio de misericórdia e fidelidade, que mantém a sua graça até à milésima geração, que perdoa a iniquidade, a rebeldia e o pecado” (Ex 34, 6-7). Como na eternidade não há tempo, “sem pressa” só poderá significar “nunca”, pois é a pressa que nos transporta do presente para o futuro. Compassivo, isto é, que se compadece, que “sofre” connosco, que sente as nossas tristezas e alegrias, as nossas vitórias e os nossos fracassos. E perante essas nossas realidades ele é clemente: tudo perdoa, “tudo desculpa, tudo espera, tudo suporta”, as características com que S. Paulo define a caridade, o amor (1Cor 13,7).
Por outro lado, Deus aparece descrito como uma nuvem, algo indefinido, que cobre e descobre, que engloba e que tapa a visão. Linda imagem para descrever o mistério de Deus. Deus sempre será um mistério, o Grande Mistério, que nós nunca poderemos compreender em toda a sua plenitude, porque é infinito. Mas sabemos que esse infinito é compassivo e clemente, infinitamente compassivo e infinitamente clemente. A imagem da nuvem é muito bonita. Eu sei que há as teorias todas sobre cúmulos, nimbos, cirros, que explicam o mecanismo e a natureza das várias formas de nuvens. Mas isso é compreender, é um mero exercício intelectual. Mas as nuvens, eu posso e gosto muito de contemplar sem saber nada dessas teorias. Deus não é para mim um exercício intelectual (eu até sou herético porque me marimbo para as cinco vias (intelectuais) para fundamentar a existência de Deus). Para mim, Deus é um exercício contemplativo, algo de muito místico. Como sou um fraco crente não terei chegado ainda ao primeiro degrau dos muitos que só os místicos e os monásticos primitivos conseguem percorrer: os vários graus de compunção (catányxis ou penthos) do coração, a renúncia radical (apótaxis) material e espiritual, a secessão (anachóresis) como desejo de obter a salvação fora do mundo corrompido (este degrau não o quero subir!), que pode chegar ao “deserto absoluto (panéremos), o exílio voluntário para terras desconhecidas (xeniteia) como abandono da minha situação física que pode conduzir à tranquilidade (hesychía), a vivência num espaço reduzido e despido de adereços (stenochoría) a antítese da nossa sociedade de consumo. Depois ainda vêm os vários graus da “ascensão espiritual”, o longo e esforçado caminho da perfeição até chegarmos à “noite escura” profunda resultante do intenso brilho de Deus que cegou os santos como João da Cruz ou Teresa de Calcutá. Mas já estou farto de falar de coisas que não conheço e cujos termos gregos, entre parênteses, nada me dizem, mas que G.M. Colombás explica e analisa no seu livro de quase oitocentas páginas, El monacato primitivo.
Não compreendo, mas gosto de contemplar. Contemplo e essa contemplação enche-me de vida, de fé, de esperança, de amor… às vezes, poucas vezes, porque sou um “homem de pouca fé”.

É por isso que a segunda Leitura nos convida: “sede alegres, trabalhai pela vossa perfeição, animai-vos uns aos outros, tende os mesmos sentimentos, vivei em paz e o Deus do amor e da paz estará convosco” (2Cor 13,11). Ter os mesmos sentimentos não é um exercício de “carneirada”; é ter as mesmas atitudes interiores com que descrevemos o nosso Deus – compassivo e clemente, lento na indignação, misericórdia e fidelidade – e vivê-las cada um à sua maneira, com as suas sensibilidades, emoções, sentimentos, vontades, intelectualidades. Mas sem viver aquelas atitudes interiores nunca seremos cristãos, dignos de ser chamados discípulos de Cristo.

E tudo isto acontece e tudo isto nos é exigido porque “Deus amou de tal maneira (com tanta intensidade) o mundo que lhe entregou o seu Filho Unigénito para que todo o que nele acreditar não pareça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus não enviou o seu Filho ao mundo para o condenar, mas para que o mundo fosse salvo por Ele” (Jo 3,16-17). Um Deus compassivo e clemente nunca pode condenar ninguém. Seria renegar a sua essência, a sua maneira de ser. Deus só pode ser amor, bondade e compaixão. Se não o for, não será Deus. Será uma máscara de Deus, que pode ser adorado e até amado, mas que por detrás da máscara nada tem: é o vazio dos nossos muitos ídolos que não só têm pés de barro como não têm coração nem entranhas.

E para fechar com uma “chave de ouro” esta reflexão de “latão” basta voltar à segunda Leitura: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus (Pai) e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos nós” (2Cor 13,13)
Ámen!

0 Comentários:

Enviar um comentário

<< Home