divórcio ou casamento eterno?...

2011-04-19

Seis anos de BentoXVI

Faz hoje seis anos que Ratzinger foi eleito Papa para suceder a João Paulo II.
Devo dizer que, no momento desta eleição, tive a sensação difusa de que se tratara de uma eleição de medo: Quem estaria à altura de João Paulo II? Não era uma ruptura violenta escolher alguém que não fosse seu continuador, apesar da Igreja se debater com problemas cada vez mais complicados? Vamos para mais uma Papa de transição, como aconteceu com a escolha de João XXIII? Mas não sei. Não estava lá. E, mesmo que estivesse, não conheço os mecanismos curiais que se foram refinando durante centenas e centenas de séculos.  

Também devo dizer que não fiquei entusiasmado, especialmente por quatro razões
Ter idade avançada
É preciso aprender a ser papa, a ser o principal condutor de um povo de quase 1,2 mil milhões de pessoas, entre as quais há um pluralismo tão alargado que a diferença entre elas é superior a muitas diferenças entre alguns católicos e não católicos ou até não crentes. E isto leva tempo sobretudo se o terreno esta “minado” por uma Cúria que “a sabe toda”: um historiador diz que nenhum papado deveria ter mais de quinze anos, não só porque a partir daí o papa já não tem nenhuma ideia nova, mas sobretudo porque ao fim desse tempo já a Cúria sabe perfeitamente como “dar-lhe a volta”e poder fazer o que tão bem sabe fazer.

Pertencer à Europa
A Igreja que está na Europa é uma Igreja velha, gasta, cansada, a atravessar um verdadeiro período de “inverno” (Rahner). Precisamos de superar vícios velhos, cortar ramos secos, injectar seiva nova, o que esta Igreja já não parece capaz. Além do mais, as coisas vistas da Europa (uma pequena ilhota no mundo) estão muito focadas nos problemas intelectuais –laicismos e laicidade, fé e razão – e passam por alto os grandes dramas da enorme maioria dos católicos, como a luta pela justiça social, a consolidação da paz, a conservação da natureza.
  
Ser Teólogo
O que a Igreja precisa é de um Papa que seja “pastor” que conheça bem os problemas pequeninos que fazem o dia a dia das pessoas e não de um intelectual que esteja preocupado com as grandes questões teológicas. O pastor parte das pessoas; o teólogo parte da doutrina; o pastor parte da realidade concreta e procura iluminá-la com a palavra de Jesus; o teólogo parte de Jesus e procura iluminar a realidade que ele teólogo pensa que existe. Por isso, a Igreja perde demasiado tempo a responder a perguntas que ninguém faz, a passar ao lado das questões existenciais em que a História continuamente mergulha as pessoas e a ficar sem capacidade de responder de modo adequado a cada tempo e lugar.

Ter sido Ratzinger
Todos recordamos que foi um dos teólogos mais influentes da “maioria” conciliar, mais “progressista”, do Concílio, ao lado do seu amigo e colega Hans Kung, mas também de Congar, Lubac, Häring, Chenu e tantos outros que João XXIII foi buscar à prateleira para onde os enviara Pio XII. Durante os anos 60, sofreu uma espécie de “ruptura epistemológica”, uma transformação profunda, que se visibilizou pelo seu afastamento da revista Concilium e a criação, com Urs von Balthasar, da revista Communio de que foi o principal inspirador. Em 1974, afirma que a verdadeira recepção do Concílio ainda não tinha começado e que era necessário preservar a “continuidade” do catolicismo e abandonar a ideia de ruptura entre a Igreja pré-conciliar e a conciliar. Veremos com estas ideias marcam todo o seu pontificado (Discurso aos cardeais em 22.Dez.2005). 
Para ele, a raiz da crise que entretanto surgiu estava no esquecimento do “mistério” da Igreja, por se ter lido a LG (Lumen Gentium: Constituição sobre a Igreja) em função da GS (Gaudium et Spes: Constituição sobre a Igreja no mundo moderno) e não o contrário.
Tornou-se muito pessimista relativamente ao mundo. Critica o optimismo da GS e da sua aliança com a modernidade ocidental por parte da teologia, sobretudo latino-americana e a influência desta na teologia europeia cada vez mais confrontada com uma sociedade vazia de sentido. Depois veio a “anarquia ao poder” do Maio de 68 e a “decomposição moral da humanidade”, que devem tê-lo ainda assustado mais. Depois a teologia da libertação...
Na sua longa “Entrevista sobre a fé” a Messori (1985) fazia este diagnóstico: a Igreja atravessa uma autêntica crise – concomitante com a crise moral do Ocidente – da qual o Concílio não pode ser considerado responsável: “Estamos convencidos que os danos que temos sofrido nestes vinte anos não são devido ao “verdadeiro” Concílio, mas ao desenvolvimento, no interior da Igreja, de forças latentes agressivas e centrífugas; no exterior, dos efeitos de uma revolução cultural no Ocidente e da afirmação de uma classe médio-alta, uma nova “burguesia terciária” com a sua ideologia liberal-radical de tipo individualista, racionalista, hedonista”.
Este pessimismo está bem longe daquelas palavras tão sábias de Paulo VI: “É no coração do mundo que permanece o mistério do próprio homem, o qual se descobre filho de Deus, no decurso de um processo histórico e psicológico em que lutam, e se alternam violências e liberdade, peso do pecado e sopro do Espírito” (OA37).
Em finais de 1981, João Paulo II nomeou-o Perfeito da Congregação da Doutrina da Fé e aí teve oportunidade de fazer muita coisa. Apenas gostaria de referir o seu documento Dominus Iesus.

Fica para a próxima a referência a esta Declaração e ao Discurso aos Cardeais, acima referido.

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