divórcio ou casamento eterno?...

2011-06-12

Pentecostes

1. Páscoa e Pentecostes
Antigamente era como se a Páscoa e o Pentecostes (do grego, quinquagésimo (dia)) fosse tudo Páscoa. "O tempo pascal era um período de cinquenta dias que começava no domingo da ressurreição: todos os dias tinham o mesmo valor e a mesma função. Por várias circunstâncias, pouco a pouco, foram-se autonomizando várias festas. Talvez, por influência do relato dos Actos dos Apóstolos, o quinquagésimo dia configurou-se como a descida do Espírito Santo (com a sua vigília, na qual, a partir do século IV, se celebravam os baptismos) e o quadragésimo dia como a Ascensão de Jesus aos céus. Seguindo o exemplo das festas judaicas e seguindo a lógica da iniciação cristã (tempo da “mistagogia”, o último tempo da caminhada catecumenal da iniciação cristã), a Páscoa passou a ter a sua oitava. Por tudo isto, o carácter unitário deste tempo litúrgico, claríssimo na sua origem, não se manteve com nitidez no decorrer dos séculos; em particular a progressiva autonomia das diversas celebrações e a ampliação do Pentecostes, com uma oitava pouco lógica, são os sintomas mais evidentes disso" (Brovelli).
Apesar dessa autonomização, o Pentecostes é o corolário da Páscoa. Faltava qualquer coisa depois da Ressurreição, pois Jesus prometera na Última Ceia: “Não vos deixarei órfãos; Eu voltarei a vós. Fui vos revelando estas coisas enquanto tenho permanecendo convosco. Mas o Paráclito, o espírito santo que o Pai enviará em meu nome, esse é que vos ensinará tudo e há-de recordar-vos tudo o que Eu vos disse” (Jo 14,18.25-26).
Portanto, é o Paráclito, o Espírito Santo que nos fará compreender tudo, melhor, ir compreendendo tudo o que Jesus nos disse. Sem o Paráclito, o Pentecostes, a Páscoa não estaria completa. Por isso, diz a segunda leitura: “quero que saibais que ninguém pode dizer “Jesus é o Senhor” senão pelo Espírito Santo” (1Cor 12,3).


2. A “liberdade” do Espírito Santo
O Espírito Santo foi muito esquecido, eu diria até, muito “maltratado” pela Igreja católica do Ocidente (Roma). É que o Espírito Santo é “perigoso” por várias razões.
1) Porque é a Anarquia em estado puro, divino. Ele “sopra onde e quando quer e tu ouves a tua vós mas não sabes de onde vem nem para onde vai” (Jo 3,8). Assim quem o pode controlar. Qual a instituição, por mais organizada que seja, que pode pôr-lhe talas e marcar-lhe o caminho? Quantas vezes não têm a Igreja a tentação (inconsciente!?) de O pôr ao seu serviço?
Apetece-me citar a parte final do “Cântico negro” de José Régio:
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

2) Porque, como proclamou o Vaticano II, “o Espírito Santo suscita, de muitos modos, na Igreja de Deus, o espírito missionário, e não poucas vezes se anteceda à acção dos que governam a vida da Igreja” (AdG 29). O Espírito não espera pelos governantes da Igreja, pois é Ele que “dirige o curso dos tempos e renova a face da terra” (GS 26). Se os responsáveis e os seus membros se distraem e não acompanham o curso da história, o Espírito não se preocupa e vai socorrer-se de outros, que não sendo oficialmente cristãos, estão mais disponíveis para estar ao seu serviço e realizar aquilo que faz parte do Seu programa.
Mas também não espera pelos cristãos bem comportados que procuram ter bem organizados e sempre impecáveis todos os serviços e actividades pastorais mas não têm um ponta de criatividade, sempre receosos de não estarem a ser fiéis às instruções superiores, em quem delegam a decisão de toda a sua actividade eclesial e sobretudo cívica. Esquecem a recomendação do Vaticano II (ou será que alguma vez a leram?): “As tarefas e actividades seculares competem como próprias, embora não exclusivamente, aos leigos. Por esta razão, sempre que, sós ou associados, actuam como cidadãos do mundo, não só devem respeitar as leis próprias de cada domínio, mas procurarão alcançar neles uma real competência. Cooperarão de boa vontade com os homens que prosseguem os mesmos fins. Reconhecendo quais são as exigências da fé, e por ela robustecidos, não hesitem, quando for oportuno, em tomar novas iniciativas e em levá-las a realização. Compete à sua consciência previamente bem formada, imprimir a lei divina na vida da cidade terrestre. Dos sacerdotes, esperem os leigos a luz e força espiritual. Mas não pensem que os seus pastores estão sempre de tal modo preparados que tenham uma solução pronta para qualquer questão, mesmo grave que surja, ou que essa seja a sua missão. Antes, esclarecidos pela sabedoria cristã, e atendendo à doutrina do magistério, tomem por si mesmos as próprias responsabilidades” (GS 43).

3) Porque unge “a totalidade dos fiéis que (por isso) não pode enganar-se na fé; e esta sua propriedade peculiar manifesta-se por meio do sentir sobrenatural da fé do povo todo, quando este, «desde os Bispos até ao último dos leigos fiéis», manifesta consenso universal em matéria de fé e costumes. Com este sentido da fé, que se desperta e sustenta pela acção do Espírito de verdade, o Povo de Deus, sob a direcção do sagrado magistério que fielmente acata, já não recebe simples palavra de homens mas a verdadeira palavra de Deus, adere indefectivelmente à fé uma vez confiada aos santos, penetra-a mais profundamente com juízo acertado e aplica-a mais totalmente na vida.” (LG 12). É a totalidade dos fiéis que deve, portanto, contribuir para a edificação da Igreja e para a obtenção de um “consenso universal em matéria de fé e costumes”. Todos, pela graça do Baptismo e da Confirmação, que nos vem do Espírito Santo, somos chamados a dar o nosso contributo “único e irrepetível” para ajudar a Igreja a testemunhar uma imagem cada vez mais perfeita do Pai. Todos somos chamados, até porque todos vivemos em diferentes situações – e todas as situações da vida são local de salvação –, a partilhar a nossa experiência num diálogo dialéctico com o Magistério e com os teólogos e pastoralistas.

4) Porque “não faz acepção de pessoas” (Act 10,34), todas, independentemente da sua cor, cultura, religião, são sempre bem acolhidas. Apenas se lhes exige que amem, que amem gratuitamente, que vejam no outro, especialmente o mais débil, o verdadeiro rosto de Jesus, de Deus. Não é preciso ser crente para se salvar. As portas do Reino de Deus exigem apenas duas condições para se abrir:
- dar prioridade ao outro na nossa prática de vida: são os que dão de comer, de beber, de vestir, os que visitam os doentes e os reclusos os únicos que entram no Reino dos Céus (Mt 25,40) e não os que continuamente “dizem “Senhor, Senhor” mas não cumprem a vontade de meu Pai” (Mt 7,21) “nem os que profetizam, expulsam os demónios e fazem milagres” (Mt 7,22), nem os que carregam sucessivas oferendas para o altar mas não estão em paz com os seus irmãos (Mt 5,23-24);
- ser como criança na nossa atitude perante Deus: “Em verdade vos digo: quem não receber o Reino de Deus como um pequenino, não entrará nele” (Mc 10,15), porque “quem receber um menino como este é a Mim que recebe” (Mt 18,5).


3. Pentecostes modelo para uma Globalização mais humana
Vou servir-me de uma ideia já antiga da Comissão Justiça e Paz francesa apresentada na sua avaliação ética sobre a Globalização(1999).
Os cristãos encontram-se entre os mais antigos “mundialistas” pelo que não têm nenhuma razão para se angustiarem perante um mundo novo que nasce, nem para fugirem à mundialização em curso ou para a rejeitarem em bloco. Pelo contrário, devem assumir um papel importante e até decisivo na sua orientação para uma efectiva unidade das pessoas e dos povos no respeito pela sua diversidade: a unidade não é uniformidade mas sempre pluralidade, diferenciação dos sujeitos, comunicação entre eles.
Os episódios bíblicos da torre de Babel (Gn 11,1-9) e do Pentecostes (Act 2,1-13) tipificam dois modelos de universalismo, que têm em comum o facto de envolverem e unirem todas as pessoas e povos, mas assentam em diferentes concepções de unidade:
- na Torre de Babel, a unidade reduz as diversidades humanas a uma única situação (todos falam uma mesma língua e todos constroem uma mesma obra): trata-se, portanto, de uma uniformidade totalitária que não distingue a Terra do Céu (é o que significa a metáfora da torre) e ignora a diversidade dos participantes; no limite, conduz à negação do sujeito e tem como consequência não só a dispersão das pessoas em vez da sua união mas também a impossibilidade de comunicarem em vez de se entenderem;
- no Pentecostes, a unidade apoia-se na diversidade e na diferenciação dos sujeitos e na sua autonomia (cada um ouve a Palavra de Deus na sua língua): é, portanto, uma unidade (todos são capazes de entender) que respeita e valoriza a diversidade de cada pessoa e de cada povo (na sua própria língua) e que permite que cada um entenda e se possa abrir aos outros sem deixar de ser ele próprio numa perspectiva de unidade orientada para o desenvolvimento autêntico de todos os homens e do homem todo.

2 Comentários:

Blogger JC disse...

Mantenho o meu interesse pelas partilhas neste blog. Nem sempre dou o merecido feedback, mas após a leitura desta pertinente reflexão tenho que expressar a minha concordância. Os cristãos não podemos ser contra a mundialização. Mas a nossa fidelidade à Boa Notícia obriga-nos a procurar outra mundialização. Esta, imposta pelos poderes político-económicos vigentes, não a podemos aceitar, pois é injusta e excludente! Procurar alternativas, para quem tem Fé, é um imperativo moral e uma questão de coerência. O meu abraço fraterno, com muita ternura e admiração.

15/6/11 10:44

 
Blogger Zé Dias disse...

Só quero acrescentar que o nosso Deus "não faz acepção de pessoas". Quem a faz somos nós, muitas vezes em Seu nome.

19/6/11 18:31

 

Enviar um comentário

<< Home