divórcio ou casamento eterno?...

2011-06-22

A emigrante NAFISSATOU DIALLO

Por estes dias falou-se pouco dos Migrantes, que até têm um Dia e a eles foram dedicadas algumas mensagens e também um ou outro gesto "simbólico".
O problema é, já de si, muito complicado e não tem sido abordado da melhor maneira. Um mundo globalizado como o nosso, globalizado de modo injusto, estruturalmente injusto,  as complicações multiplicam-se e parece que cada vez mais vemos neles pessoas ou então pessoas menores porque vêm de outras culturas, que não sendo a nossa , "naturalmente" terão se der inferiores. Viva o etnocentrismo europeu! 
Aqui deixo um artigo que escrevi para o próximo número da revista Além-Mar

NAFISSATOU DIALLO
 Não sei se à leitora ou ao leitor este nome diz alguma coisa. É uma pessoa que nunca sonhou com a fama. Filha de um comerciante da etnia peule, a maior da Guiné, emigrou com o marido para os Estados Unidos. Divorciada, vive com a filha e ganha a vida a limpar as suites do hotel Sofitel em Nova York. Tem fama de trabalhadora e séria. Uma prima definiu-a como “uma boa muçulmana. Realmente é bonita, como várias mulheres peules, mas não aceitamos esse tipo de comportamento na nossa cultura. Strauss-Kahn atacou a pessoa errada”.
Agora já estão a perceber quem é. Foi a mulher “anónima” que o ex-director do FMI, Strauss-Kahn (DSK), na sua busca obsessiva por sexo, perseguiu e violou na suite 2806 do Sofitel. Para ele não foi nenhuma tragédia. Foi mais um pormenor logo esquecido. Além do mais, nunca esperaria que uma reles mulher negra o denunciasse. Lê-se nos jornais que ele tinha já um razoável currículo neste campo. Mas esta é a vantagem dos hotéis.
Um quarto de um hotel é uma espécie de “não-lugar”. A sua ocupação esporádica entre os muitos afazeres é um pequeno hiato na vida, que logo se esquece: esquece-se o lugar (não-lugar), esquecem-se as pessoas de que nos servimos (figuras esfumadas na paisagem). São tão anónimos e solitários que nos transportam para um mundo muito diferente do nosso. São, por isso, espaços que facilitam e até convidam à transgressão das regras normais da nossa vida. Foi possivelmente o que se terá passado com DSK. Do alto do seu estatuto social, ainda por cima branco, nunca imaginou que uma humilde serviçal, preta africana, se atrevesse a acusá-lo. Estava fora da sua lógica de poderoso que uma simples camareira, sem estatuto, emigrante, se atrevesse a desafiar o homem omnipotente, que apenas satisfizera as suas “necessidades naturais”, servindo-se do que tinha à mão. Aliás, é bem possível que a mulher não o conhecesse.
Aquela mulher, contudo, era apenas uma vítima mais entre tantas outras que DSK fez pelo mundo fora (algumas sexuais mas muitas sócio-económicas) e que são apenas números, sem rosto e sem história, numa estatística dos organismos internacionais que nos governam. Por isso se vestiu calmamente e foi para o aeroporto. O governo do mundo não podia esperar.
As notícias centraram-se no homem, nos trâmites legais, na presunção de inocência, na justificação de amigos, como o respeitado Jacques Lang (ex-ministro da cultura) que tudo desdramatizou com um simples "afinal não morreu ninguém". Que importância tem que um “senhor do mundo” deixe psicologicamente destruída uma desconhecida mulher, triplamente pobre: mulher, africana e emigrante? Tão insignificante era “objecto” ideal para todo o serviço.
Propositadamente tentei descrever o que se foi escrevendo, sempre centrado no homem, no rico. Mas de Nafissatou, do pobre, quantos falaram? Fiz este exercício para mostrar o que não é a opção pelos pobres que, para os crentes, é a prioridade da atenção, do cuidado, do amor. Mas, para isso, temos que olhar a história a partir da situação e da pessoa da vítima. Por isso, Jesus na parábola do rico epulão, não deu nome ao rico, apenas ao pobre, Lázaro. Dar nome a alguém é aceitá-la como pessoa, com um projecto próprio, como construtor da história. Sem esta conversão do ponto de vista, nunca teremos uma sociedade humana onde todos tenham um lugar, possam dar o seu contributo e receber o que lhes pertence dos bens da Terra que “Deus criou para uso de todo o género humano, sem exclui nem privilegiar ninguém” (CA 31).
Nafissatou incarna, no seu sofrimento e humilhação, a Cruz de todos os seres humanos que são violados, vilipendiados e excluídos de um mundo que é tanto seu como nosso. Por isso, somos chamados a ser a voz e a vez das “vítimas da injustiça silenciadas e silenciosas” (JM 20).

1 Comentários:

Anonymous Pedro disse...

Muito obrigado, por esta reflexão... "Dar nome ao pobre", só com nome há relação concreta, a partir da relação vem a compaixão e depois a implicação na mudança...
Mais uma vez obrigado...

29/6/11 14:13

 

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