Trátátátátás que assassinam e chius que matam
Há um mês que não venho visitar os meus amigos. Mas não estou zangado com ninguém. Apenas umas idas ao hospital, uns tratamentos pouco estimulantes, alguns compromissos sociais e também uma certa preguiça que o calor de verão sempre exerce nas minhas proteínas, desnaturando muitas delas, têm sido algumas das causas da minha ausência. E também o meu outro blog que me dá muito gozo!!!
Entretanto aconteceu muita coisa, algumas das quais penso agora retomar, mesmo com algum atraso.
De qualquer modo, antes de isso, não posso deixar de pensar na Noruega.
Há uns anos tive oportunidade de visitar a Noruega, concretamente Oslo. Paisagens lindíssimas, no meio de uma natureza cuidada. Lembro-me de acordar num bungalow tipo palafita em que as bases de suporte assentavam na água dos fiordes e de acordar com o ritmado marulhar das mini-ondas a bater nos pilares da nossa casa. Da janela via-se a extensão da água até longe apertada pelos enormes montes que as bordejavam. Já não era os pobretanas como nós, graças ao petróleo, que souberam gerir como juizinho e não como novos ricos como fizeram muitos portugueses com ao chorudos subsídios europeus convertidos em BMWs e palacetes em vez de servirem para reconverter as nossas indústrias tradicionais. O “Fundo do Petróleo” norueguês foi criado, em 1990, por decisão do Parlamento para não só contrariar os efeitos nocivos das grandes flutuações do preço do petróleo, mas também como solidariedade para com as gerações futuras. Em 2008, era de cerca de 350 mil milhões de euros.
De repente, aquele país tão pacífico e a sua capital tão amena, onde era habitual cruzarmo-nos com o primeiro-ministro ou um qualquer ministro a tomar um café ao virar da esquina, estremeceram com o estrondo inaudito de um ou vários carros armadilhados. Primeiro foi o estrondo, em quem ninguém queria acreditar. Depois foram as paredes danificadas, os vidros estilhaçados e, pior ainda, alguns mortos, inocentes que tiveram o azar de estar no sítio errado no momento errado. De repente era poeira, estilhaços e o espanto dos vivos. Mas aquilo era só uma amostra. A exibição e a violência gratuita e psicopata só aguardavam uns minutos. E então aí sim, no meio de um acampamento de jovens que celebravam a vida e a cidadania, começa o tiroteio. Rajadas e mais rajadas de balas que duraram cerca de hora e meia. Malta que foge como e para onde pode, mas uma centena ficou ali estendida, com os amigos incapazes de lhe acudir e se ds salvar.
De repente, um país inteiro olha e não quer acreditar. Não tem palavras. Nunca acontecera nada daquilo. Como era possível!? Quanto tempo terão demorado a acordar e a perceber que aquela era a realidade, crua e dura, cruenta e assassina. Aos primeiros entrevistados que ouvi, segundo me pareceu, o que mais os chocou, para lá das mortes, era o facto de ter sido um norueguês, “alguém com quem andei na escola”. Ficava quase uma súplica: “Se ao menos fosse estrangeiro!”. Mas não. Era o fim da inocência daquele povo. Afinal todos podemos dormir com o inimigo. Afinal o inimigo pode ser o meu melhor amigo e eu não me aperceber de nada. Afinal… afinal… Como é difícil percebermos todos, noruegueses ou outros, que é do coração da pessoa, como ensinara Jesus, que nascem estas atitudes mais desumanas, estas reacções mais animalescas, este “matei porque me apeteceu”. Afinal a pessoa continua a ser um mistério, um mistério muito mais complexo e denso que a maior parte dos mistérios que nos rodeiam e que são muitos.
Afinal era norueguês. Devo dizer que a violência desta frase me atingiu como um murro no estômago. E agora a Noruega tem de fazer o luto pelos mortos e a catarse dos vivos. Como aliás todos os outros povos.
Entretanto… a milhares de quilómetros de distância, todos os dias morrem de fome mais dos que os que morreram de balas na Noruega. Em países como a Somália, o cortejo da morte é enorme, mas é silencioso, não precisa de tiros nem de carros armadilhados, Vão caindo mortos pela falta de água, pela falta de pão. Condenados não pelas balas assassinas de um psicopata norueguês, mas pelas balas da indiferença de milhões de assassinos civilizados que gastam mais num jantar de restaurante do que o suficiente para alimentar uma criança ou um adulto durante um mês, que gastam mais num maço de tabaco do que numa vacina salvadora.
Não devemos lamentar os noruegueses? Com certeza e tudo fazer para que gestos tresloucados destes não se voltem a repetir. Mas devemos também evitar tantas mortes que dependem de um “quase nada”, de “cinco cêntimos de amor” para que milhões de crianças e adultos ternha uma vida com um mínimo de dignidade. E estas só dependem do comportamento de pessoas normais e não de comportamentos psicopatas de “messias” alienados.
A diferença entre estes dois tipos de mortes está no que poderia ser a Europa: a Europa da solidariedade e não dos egoísmos, a Europa que pensa nas convergências monetárias mas não nas fraternas, a Europa que defende os seus interesses mas não na gratuitidade e no dom.
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