O Silêncio e a Palavra
Ontem
foi o 46º Dia Mundial das Comunicações Socais.
Aqui deixo meu pequeno
contributo, plasmado numa das minhas crónicas.
Antes,
porém, aproveito para informar os meus amigos leitores que vou ser operado na
próxima quinta-feira a um pulmão. Espero não demorar muito a voltar a este
espaço.
DE VIZINHOS A IRMÃOS
É muito actual o tema da Mensagem de Bento XVI para o Dia mundial das comunicações sociais: “silêncio e
palavra”. Hoje a palavra não dá espaço ao silêncio, o que condiciona o nosso
estilo de vida. Ambos são indispensáveis mas integrados de modo a não ficarmos
coagidos no nosso pensar: “Quando palavra e silêncio se excluem mutuamente, a
comunicação deteriora-se, porque provoca um certo aturdimento ou, no caso
contrário, cria um clima de indiferença; quando, porém se integram reciprocamente,
a comunicação ganha valor e significado”.
Hoje somos atolados com tanta palavra, tão menorizados
pela palavra dos sabidos que, mal sai uma notícia, logo opinam sobre tudo,
impedindo-nos de parar, reflectir e formular a nossa opinião. Assim se vai
criando uma sociedade-rebanho. O importante, parece, é que não pensemos. Ou,
pior, que dois ou três pensem por nós. “Quando as mensagens e a informação são
abundantes, torna-se essencial o silêncio para discernir o que é importante do
que é inútil ou acessório”. Mas isto não basta, pois precisamos de saber pensar
a sério, de criar uma “espécie de «ecossistema» que equilibre silêncio,
palavra, imagens e sons”. Contudo, tudo está feito para ser o contrário: em
muitas famílias, não se pratica o diálogo; em muitas escolas, não se ensina
para o diálogo; em muitas catequeses, não se vive o diálogo. E as crianças, que
depois serão jovens, chegam à vida adulta incapazes de decidir, porque não
foram habituados a pensar e a ponderar os factores em questão. E depois temos
políticos que ora dizem uma coisa ora outra, directores que dirigem ao sabor do
imediato e não da dignificação dos seus serviços, empresários que não arriscam
de modo responsável, e uma multidão amorfa de supostos cidadãos perdidos
perante a realidade que sempre muda e exige contínuas opções inadiáveis.
Além disso, as nossas conversas, geralmente “de café”,
não permitem nem ao “eu” nem ao “tu” aprofundar as relações mútuas, conhecer o
outro, perceber os seus problemas, senti-lo como um “dom”, “saber criar espaço
para o irmão, levando os fardos uns dos outros e rejeitando as tentações
egoístas” (NMI 43): “Calando, permite-se ao outro que fale e se exprima a si
mesmo e permite-nos a nós não ficarmos presos, por falta da adequada
confrontação, às nossas palavras e ideias. Assim, abre-se um espaço de escuta recíproca
e torna-se possível uma relação humana mais plena”. E de vizinho podemos dar o
difícil passo para irmão (cf. CinV 19).
Por outro lado, somos inundados por minudências que
escondem o essencial: uma rixa, um assalto, um golo são muito mais importantes
do que milhares de coisas boas realizadas por esse país fora. E o que não se
noticia não acontece. Por isso, o Papa denuncia: “o homem de hoje vê-se,
frequentemente, bombardeado por respostas a questões que nunca se pôs e a
necessidades que não sente”. Perante esta situação alienante, mais urgente se
torna dar espaço ao silêncio “para favorecer o necessário discernimento, para
identificar e focalizar as perguntas realmente importantes: Quem sou eu? Que
posso saber? Que devo fazer? Que posso esperar?”. Já são poucos os que colocam
estas questões, pelo que é importante acolhê-los, “criando a possibilidade de
um diálogo profundo, feito não só de palavra e confrontação, mas também de
convite à reflexão e ao silêncio, que às vezes pode ser mais eloquente do que
uma resposta apressada, permitindo a quem se interroga descer até ao mais fundo
de si mesmo.”
De qualquer modo, mesmo sem o saber, todos andamos “à
procura de verdades, pequenas ou grandes, que dêem sentido e esperança à
existência”. Esta busca não pode ser “uma simples e tolerante troca de cépticas
opiniões e experiências de vida: todos somos perscrutadores da verdade e
compartilhamos este profundo anseio, sobretudo neste tempo em que, quando as
pessoas trocam informações, estão já a partilhar-se a si mesmas, a sua visão do
mundo, as suas esperanças, os seus ideais”. Falar ouvindo é construir o futuro,
pois nos estimula a pensar e a desenvolver o raciocínio. Ora “o reforço dos
poderes de raciocínio dá-nos a habilidade de nos separarmos da nossa experiência
imediata e da nossa perspectiva, pessoal ou paroquial, e de enquadrarmos as
nossas ideias em termos mais abstractos e universais. Isto, por sua vez, conduz
a melhores compromissos morais, incluindo a prevenção da violência” (P. Singer).
O Papa quis também referir o silêncio de Deus, que
tanta angústia causa em corações de pouca fé. E fá-lo numa dupla vertente.
Primeira: “O Deus da revelação bíblica fala também sem palavras: como mostra a
cruz de Cristo, Deus fala também por meio do seu silêncio (que) prolonga as
suas palavras anteriores. Nestes momentos obscuros, Ele fala no mistério do seu
silêncio. No silêncio da Cruz, fala a eloquência do amor de Deus vivido até ao
dom supremo”. Segunda: “Se Deus fala ao homem mesmo no silêncio, também o homem
descobre no silêncio a possibilidade de falar com Deus e de Deus. Temos
necessidade daquele silêncio que se torna contemplação, que nos faz entrar no
silêncio de Deus e assim chegar ao ponto onde nasce a Palavra, a Palavra
redentora. Quando falamos da grandeza de Deus, a nossa linguagem revela-se
sempre inadequada e, deste modo, abre-se o espaço da contemplação silenciosa”.
Como dizia o sufi Rumi, no século XIII: “Àquele que conhece Deus faltam-lhe as
palavras” (T. Mendonça).
E é nesta contemplação silenciosa que deve assentar o
nosso testemunho de um Deus libertador, porque só ela “nos faz mergulhar na
fonte do Amor, que nos guia ao encontro do nosso próximo, para sentirmos o seu
sofrimento e lhe oferecermos a luz de Cristo, a sua Mensagem de vida, o seu dom
de amor total que salva”. Para o oferecermos e para o vivermos.
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