divórcio ou casamento eterno?...

2007-06-01

Dia da Criança

Um destes dias escrevi um artiguinho sobre a cultura da não criança ou do não à criança. É um pequeno protesto pelo modo como tratamos as nossas crianças. Aqui o deixo em anexo...
Mas antes gostaria de citar uma frase sobre o envelhecimento, que começa logo em criança,. Vem num livro muio interessante que estou a ler. Trata-se da epopeia romanceada dos tempos em que o Homo sapiens e o H. neanderthal se cruzavam pela Europa. A dada altura, aparece esta definição de envelhecimento.
"Talvez seja isto o que acontece quando envelhecemos. Se tu trocas parte do teu espírito com as pessoas amadas, então, depois de teres perdido muitas delas, tantas partes do teu espírito as foram acompanhar para o outro mundo que já não te fica suficiente espírito para continuares vivo neste" (J.M. Auel, Los Hijos de la tierra, IV. Las llanuras del Trânsito, p. 169). Não é bonito?!
E então aí deixo o meu contributo para o dia da criança:

MAS AS CRIANÇAS, SENHOR…

Aqui há tempos fui passear à nova zona ribeirinha do Mondego e atravessar a famosa ponte pedonal que mereceu os elogios de um conceituado jornal inglês. Gostei do que vi, excepto os primeiros cinquenta metros da ponte em lâminas de xisto que quase impossibilitam a progressão de uma cadeira de rodas, discriminado, mais uma vez, os deficientes. Congratulei-me de não ver, no espaço verde, cartazes com a proibição de jogar a bola… mas não sei qual será a reacção quando meia dúzia de garotos começar a jogar sobre aquela relva tão carinhosamente regada e tratada. E pus-me a pensar nas nossas crianças: pela minha cabeça desfilaram factos e factos que me deixaram preocupado.
Somos um país que faz poucos filhos: temos cada vez menos filhos. Dizem as estatísticas que os casais com filhos são 46,8% e 32% tem apenas um. E quando os fazemos é quase no limite fisiológico, pois precisamos de gozar a vida e os filhos são um empecilho sério. Dispomos de uma legislação laboral que não valoriza suficientemente a função maternal e paternal e, pior ainda, temos uma lei não promulgada que coloca como primeira pergunta na entrevista à mulher que procura emprego se está grávida ou pensa engravidar. O trabalho a meio tempo ou outro tipo de soluções a que os pais têm direito para cuidar dos filhos nos primeiros anos não são aproveitados e nem sempre porque os ordenados sejam insuficientes. Aliás, um inquérito recente veio mostrar que, ao contrário da tendência europeia, “83,7% da nossa população empregada, com pelo menos um filho ou dependente, diz que não deseja alterar a sua vida profissional para poder dedicar mais tempo a cuidar deles”. Deixo de lado os casos de violência doméstica na ilusória ingenuidade de que aconteçam apenas em famílias disfuncionais.
Depois sentimos que a escola não está preparada para estes novos tempos. É certo que os pais não ajudam muito nesta mudança, mas os sabidos técnicos da educação no ministério ainda ajudam menos. A ministra veio, finalmente, reconhecer o desajustamento de alguns (deveria ter dito muitos) programas. Mas não são só os programas, são também as normas e os critérios orientadores. Por exemplo, aquela ideia peregrina que quer inculcar nas crianças que o estudo é uma brincadeira tem efeitos muito negativos na forma como as crianças e os jovens olham o estudo Ou aquela lei, nunca escrita mas que parece exigir que, na escolaridade obrigatória, todos os alunos devem passar. Muitos professores estarão preocupados com tudo isto, mas os seus sindicatos, sempre prontos a reivindicar aumentos salariais indiscriminados, quantas greves fizeram por causa dos programas desajustados ou porque há escolas em que os miúdos gelam de Inverno por falta de aquecimento?
Temos uma legislação que favorece a paternidade biológica e persegue a paternidade de afecto. E parece haver sempre zelosos juízes e juízas a serem “mais papistas que o papa” na sua aplicação, como o mostram exemplos recentes.
Suportamos uma publicidade, onde tudo é permitido e que tem feito um esforço notável “sempre de sorriso nos lábios” para ir mercantilizando as nossas crianças e jovens. Com as modernas técnicas cada vez mais sofisticadas de manipulação, sobretudo de consciências inocentes e indefesas, inventa continuamente necessidades novas e “explorando directamente os instintos e prescindindo, de diversos modos, da realidade pessoal consciente e livre”, permite-se “criar hábitos de consumo e estilos de vida objectivamente ilícitos, e frequentemente prejudiciais à saúde física e espiritual” (CA 36). Pode acrescentar-se a florescente indústria dita do “lazer” com os contínuos estímulos ao consumo de bebidas e drogas, como trampolim inócuo para o paraíso de felicidade eterna já aqui na terra.
Há ainda os contributos de elevado teor civilizacional dos que defendem que a mulher é a exclusiva dona da sua barriga ou que a denúncia unilateral do divórcio é um acto supremo de felicidade, sem qualquer preocupação com o que pode acontecer aos filhos. Esta mentalidade do não-à-criança está muitas vezes subjacente, consciente ou inconscientemente, nas propostas de resolução de algumas das chamadas questões fracturantes.
Trata-se de um quadro demasiado negro? Talvez, mas estes factos existem e não vale a pena negá-los. Mais: devem ser recordados para que tomemos consciência de que estão a acontecer. Se é isto que queremos para os nossos filhos, então deixemos tudo como está. Se consideramos que eles têm direito a mais e que os futuros cidadãos devem ser tratados doutra maneira, vamos pegar a sério na questão e fazer alguma coisa para a modificar.
Apesar de tanto negativismo, é justo e reconfortante recordar tantos exemplos de sinal contrário, que apesar de não convencerem os meios de comunicação social, existem e existem em abundância: a dedicação de tantas mães para que os seus filhos nasçam e nasçam com amor, o sacrifico de tantos pais para que os seus filhos se tornem cidadãos responsáveis e honestos, o empenho criativo de tantos professores que investem o melhor que têm para que os seus alunos sejam tratados como pessoas estimulando o desabrochar das suas potencialidades humanas.
Portanto, nós temos pessoas e capacidade para darmos a volta a esta situação. “Apenas” falta juntar os interessados, criando uma opinião pública não só favorável mas comprometida neste serviço à vida.

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