Uff!...
Terminou a paralisação dos camionistas. Ontem fiz aqui uma leitura de cidadão comum. Uma atitude que corre sempre o risco de absolutizar um ponto de vista e esquecer os outros. A história é feita por vários intervenientes e pode ser sempre vista de vários lados. Aliás, uma das exigências da opção pelos pobres, um princípio estruturante da doutrina e da natureza da Igreja, é procurar fazer uma leitura da história a partir dos mais pobres.
Não sei avaliar o ponto dos camionistas revoltados, mas aceito perfeitamente que muitos deles tenham atingido uma situação de tal modo desesperada que a única saída que encontraram foi esta. E, apesar dos aspectos negativos, teve o mérito de pôr o país a pensar em problemas que passam para lá do futebol ou do “dia da raça”. É, pois, uma oportunidades para todos tirarem lições.
Os camionistas acabaram por aceitar que nem todas as suas reivindicações eram realistas, o que é prova de uma maturidade, que deve ser institucionalizada, como foi dito que vai ser, de modo a ganhar força negocial que não os obrigue a deslizar para atitudes dificilmente compreendidas pela população e sem suporte legal. Como dizia João XXIII, há mais de 45 anos a propósito da agricultura: “Repare-se, ainda, que, no sector agrícola, como aliás em qualquer outro sector, a associação é actualmente uma exigência vital; e, mais ainda quando o sector se baseia na empresa familiar” (MM 146).
Sabe-se que não é fácil o associativismo não só pelo nosso temperamento individualista mas também, neste caso, porque o sector está pulverizado em 8500 empresas, 48 mil camiões e 70 mil trabalhadores. Mas vale o esforço de todos e esta situação limite a que se chegou criou as condições para que tal aconteça.
Tenho que reconhecer ao governo o bom senso, que eu não teria, de aguentar até ao limite mantendo uma atitude de diálogo e não de força e, sem ceder no essencial, procurar encontrar saídas de maior justiça social. Talvez seja a minha falta de senso mas, como escrevi ontem, continuo a pensar que o governo deveria mais cedo ter garantido a livre circulação nas estradas e ter evitado que a escassez de bens essenciais. Mas também deve tirar lições.
Tem que ser mais lesto e sobretudo não andar a camuflar as consequências do aumento do preço dos combustíveis e ser capaz de antecipar respostas para uma crise que já era previsível. E antecipar significa tomar a iniciativa nas negociações com os colectivos mais afectados para, dentro de uma política que não ponha em causa os esforços pedidos a todos, poder propor um conjunto de ajudas que respondam às especiais dificuldades destes sectores mais vulneráveis. Uma função primeira do Estado na promoção do bem comum é a especial atenção aos cidadãos e aos sectores mais vulneráveis. Não sei se as medidas agora tomadas são as mais indicadas. Aceito que o sejam a curto prazo, mas isso não invalida a necessidade de uma análise série das causas profundas destas manifestações e de respostas estruturais a uma situação que veio para ficar, a alta do preço dos combustíveis.
Além disso, e é uma queixa corrente, o Estado não pode deixar de dar importância prioritária às pequenas e médias empresas, que são geradoras de 75% do emprego, tendo em conta a sua especificidade própria: muito numerosas, diminuta extensão e com débil capacidade institucional. Como medida imediata não ficaria nada mal o pagamenio rápido dos 3 mil milhões de euros que lhes deve.
Também a sociedade em geral deve tirar lições:
- tomar consciência da fragilidade e da volatilidade da nossa realidade;
- não gastar acima das posses de cada um ou de cada família e limitar as despesas supérfluas;
- perceber o clima de interdependência em que vivemos (estamos dependentes de tantas pessoas para ter o que temos) e, por isso, aprender e praticar o exercício da solidariedade.
Talvez esta crise acorde na consciência dos portugueses o quão a situação nacional e internacional é séria e desperte a necessidade de mudarmos um estilo de vida tão depredador de energia e de recursos ambientais não renováveis.
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