Epístola aos Gálatas 3,28
Os versículos 3,26-28 não são de S. Paulo pois faziam parte de uma fórmula baptismal pré-paulina. Mas o importante é que S. Paulo os retoma e os valoriza numa secção (2,26-4,11) em que quer destacar a condição de livres dos filhos e das filhas de Deus: até Cristo, a Lei era o nosso pedagogo (24); mas só a fé em Cristo nos torna verdadeiramente livre: “somos filhos de Deus em Cristo Jesus mediante a fé; fomos baptizados em Cristo e deveis revestir-vos de Cristo mediante a fé” (25-27). E depois vem o célebre v. 28: “Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre; não há homem nem mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus”.
Esta é uma afirmação verdadeiramente revolucionária ao afirmar a novidade de uma humanidade sem discriminações numa sociedade tão hierarquizada e meritocrática como a sociedade greco-romana ou tão discriminatória como a judaica (até os pastores eram impuros porque podiam contactar animais impuros; e no entanto foram eles os primeiros a quem foi anunciada a boa nova do nascimento de Jesus!)
Esta afirmação é tão revolucionária que a esmagadora maioria dos cristãos nunca a deve ter levado a sério, incluindo a alta hierarquia, como passo a mostrar.
O Concílio cita este versículo numa passagem riquíssima no capítulo sobre os leigos no documento sobre a Igreja, que não resisto a citar apesar de um pouquinho longa: “Um só é, pois, o Povo de Deus: um só Senhor, uma só fé, um só Baptismo; comum é a dignidade dos membros, pela regeneração em Cristo; comum a graça de filhos, comum a vocação à perfeição; uma só salvação, uma só esperança e uma caridade indivisa. Nenhuma desigualdade, portanto, em Cristo e na Igreja, por motivo de raça ou de nação, de condição social ou de sexo, porque não há judeu nem grego, escravo nem homem livre, homem nem mulher: com efeito, em Cristo Jesus, todos vós sois um” (LG 32).
Repare-se: “Nenhuma desigualdade, portanto, em Cristo e na Igreja, por motivo de … sexo”. É o que lá está escrito e este documento sobre a Igreja foi aprovado, no dia 21.Nov.1964, com 2151 placet (a favor) e 5 non placet!!!
Depois destas palavras, por que razão as mulheres são discriminadas na Igreja, nomeadamente quanto à ordenação. Devo dizer que uma decisão destas precisava de uma adequada preparação pedagógica do povo de Deus, mas o que está em causa é que as mulheres não possam ser ordenadas e com argumentos que me parecem dever pouco à inteligência e talvez menos à teologia.
Passo a dar a minha opinião sobre três aspectos.
O argumento do in persona Christi: o padre está na pessoa de Cristo; ora Cristo foi homem e não mulher, como pode uma mulher estar na pessoa de um homem? Será que o conceito de pessoa se esgota na genitalidade? Apesar de uma riquíssima doutrina sobre a dignidade humana, há algumas “incoerências romanas” como esta. Por exemplo, a recusa de contraceptivos parece partir da ideia de que a mulher é um conjunto de hormonas cuja produção não pode ser alterada: a perspectiva antropológica é preterida pela biológica! Mas demos a palavra a quem sabe do assunto, o teólogo Legrand: “Por um lado, a cristologia patrística, mesmo vendo em Cristo o novo Adão, dá um significado decisivo ao facto de ele ter assumido a natureza humana sem se preocupar com a condição masculina desta natureza. Por outro, dado que o ministério ordenado deve determinar-se cristológica e, ao mesmo tempo, pneumatologicamente, a representação de Cristo requer a mediação eclesial. Só se poderia representá-lo, se se representasse a fé e a comunhão da Igreja. Não poderia uma mulher representar plenamente a fé e a comunhão da Igreja? Se pode estar in persona ecclesiae no sentido indicado, não poderia estar também in persona Christi?”
O argumento de que as mulheres não podem ser “ordenadas” porque Jesus não quis chamá-las para o grupo dos Doze (MD 26) terá um peso tão decisivo? E mais, será legítimo a alguém afirmar que Jesus, se não escolheu mulheres para o Colégio Apostólico, é porque não as queria lá? Mas aceitando que assim seja, vejamos mais uma “incoerência romana”. Então por que razão é recusada a ordenação de homens casados, quando Jesus escolheu um homem casado para cabeça dos Doze? Repare-se que, no caso dos homens casados, a atitude de Jesus foi pela afirmativa, portanto, ninguém pode pô-la em causa, enquanto no caso das mulheres foi por omissão, o que não permite interpretações absolutas!
Sendo o Baptismo o sacramento fundamental que nos “incorpora em Cristo, nos constitui em Povo de Deus e nos faz participantes, a seu modo, da função sacerdotal, profética e real de Cristo” (LG 31), por que razão os homens têm direito a um Baptismo de primeira, pois lhes dá acesso aos restantes seis sacramentos e as mulheres só têm direito a um Baptismo de segunda, que apenas dá acesso a cinco sacramentos? Tem a Igreja poder para esta discriminação sacramental? Em que passagem bíblica se fundamenta tal atitude?
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